A expansão marítima europeia

Importantíssima no período de transição da Idade Média para a Idade Moderna, a expansão marítima europeia durou entre os séculos XV e XVII, aumentou consideravelmente os impérios comerciais do continente e ajudou a transformar a Inglaterra na maior potência mundial até o fim da Primeira Guerra Mundial.

Claro que esta é uma definição deveras apressada e muito superficial. Diria até mesmo um tanto quanto leviana! Mas antes de começar a explicar a expansão, vamos falar um pouco de como estava o continente europeu antes de tudo isso:

A Europa pré-expansão marítima

Devido à expansão árabe iniciada nos séculos VII e VIII e a posterior conquista da Península Ibérica, a divisão do Império Romano — e a consequente continuidade do Império Romano do Oriente e o fracasso da parte Ocidental — , a região central da Europa estava fechada.



Já falamos aqui no HZ sobre a formação do feudalismo, a conquista da Península Ibérica, e lá no final do nós vamos colocar links para estes dois posts e outros que ajudarão a ampliar o assunto, ok? Voltemos ao texto…

Este cenário de poucas relações comerciais, que gerou uma considerável retração econômica, durou até meados do século XI, quando as Cruzadas ajudaram, de alguma forma, no início do renascimento comercial europeu.

As campanhas militares voltadas para a reconquista de lugares sagrados do cristianismo ajudavam a abrir rotas comerciais, e algumas cidades começaram a se destacar neste aspecto, mesmo que internamente, ali na região do Mediterrâneo. Mais que isso, os europeus voltaram a ter contato com os produtos do oriente, principalmente seda, jóias, perfumes e diversas especiarias (canela, pimenta, cravo, noz-moscada etc…).

E este contato, claro, cria uma demanda pelos produtos, o que gera um aumento do comércio e a necessidade de abertura de novas rotas comerciais.

Entre os séculos XII e XIII as cidades de Gênova e Veneza — marcadas no mapa acima — , na região da atual Itália, comandaram a navegação do Mediterrâneo e construíram verdadeiros impérios apoiados em entrepostos comerciais.

Na época, a Península Itálica estava dividida em diversos reinos e ducados, além dos Estados Pontifícios — sob administração do Papa — por isso não havia uma unidade, um “país” como é a Itália hoje em dia. As duas cidades citadas eram autônomas, e disputavam o comércio marítimo, guardadas as devidas proporções, como dois países contemporâneos.

Mas nem só os comerciantes destas duas cidades prosperavam. Em grande parte da Europa outros reinos tinham seus comerciantes que revendiam os produtos trazidos pelos mercadores italianos através do Mediterrâneo, burgueses que estavam em ascensão econômica, pagavam impostos aos soberanos e cobravam soluções para a quebra do monopólio comercial das duas cidades italianas.

Além destes motivos econômicos, nós podemos citar mais alguns fatores que influenciaram na expansão marítima europeia:

Criação dos Estados e centralização política:

Um dos primeiros reinos a incentivar a expansão marítima foi a Espanha, logo após o término das Guerras de Reconquista da Península Ibérica e da posterior unificação dos reinos espanhóis.

Esta guerra expulsou os árabes da península; e após a queda do reino mouro de Granada, em 1492 — o último a resistir aos espanhóis — o rei Fernando II, apoiado pela Igreja Católica, patrocinou a viagem do genovês Cristóvão Colombo. Sua missão era descobrir novas terras e, consequentemente, novos mercados. O resultado da viagem de Colombo nós sabemos muito bem qual foi, não é?

Mas antes dos espanhóis, os portugueses já estavam bem adiantados em relação às navegações, por um segundo fator:

Avanços técnicos da arte náutica

Os portugueses já tinham um reino unificado desde o séc XIII e tinham, por assim dizer, uma relativa paz em seu território. A fundação da lendária Escola de Sagres, em meados do séc. XIV pelo infante D. Henrique, fortaleceu o desenvolvimento das chamadas “ciências marítimas”.

A sextante, um dos instrumentos utilizados para auxiliar a navegação.

Junte-se a este fator o desenvolvimento da cartografia e da astronomia, o uso da bússola e de outros instrumentos náuticos como o astrolábio e a sextante, além da construção de embarcações maiores e mais resistentes — as naus e as caravelas — , preparados para navegar grandes distâncias, e temos um cenário favorável aos navegadores portugueses, que fizeram diversos contatos comerciais na costa ocidental da África.

Não é exagero quando você ouve, ou já ouviu alguém dizer que “Portugal tem uma estreita relação com o mar, e que esta relação favoreceu os descobrimentos portugueses”. A geografia do país favorece a navegação, e Portugal com o tempo conseguiu montar uma extensa rede de entrepostos comerciais ao longo das costas brasileira, africana e asiática.

O interesse expansionista de outras nações da Europa

Com as notícias da descoberta da América, nem só Portugal e Espanha olhavam para o mar com desejos de novos mercados e consequente aumento de comércio. Ingleses, franceses e holandeses também começaram a financiar viagens com o objetivo de descobrir novas rotas comerciais ou estabelecer entrepostos. Mas portugueses e espanhóis já haviam assinado o Tratado de Tordesilhas em 1494, tratado este que praticamente “dividia” o mundo entre os dois reinos.

Óbvio que os monarcas franceses, ingleses e holandeses contestaram o tratado. A frase mais famosa desta discussão é do rei Francisco I, da França, que disse:

“Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me afastou da partilha do mundo!”


Desta forma, os três reinos passaram a financiar as viagens de uma forma meio clandestina, sem a aprovação dos reinos de Portugal e Espanha, o que acarretava em episódios como o da França Antártica, em que franceses chegaram a manter um território na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, ou na Recife “Holandesa”.

Um novo mundo além-mar


Mapa das rotas das primeiras grandes expedições europeias. [fonte]

Quando nós falamos em ampliação do comércio marítimo e em colonização do novo mundo no início da expansão europeia nós não falamos em conquista de mercados consumidores externos. Ainda não.

Portanto, é fundamental separar as coisas: no início, os europeus buscavam mercadorias além-mar para comercializá-las na Europa.

Como foi destacado acima, as rotas comerciais terrestres estavam fechadas e o Mediterrâneo era meio que monopolizado por navegantes de Gênova e Veneza. Então, para chegar à Ásia, onde eram produzidas dezenas de especiarias consumidas na Europa, a solução era contornar a África pelo mar. Ou dar a volta no mundo até alcançar as Índias, como Cristóvão Colombo morreu acreditando ter realizado tal façanha.

Mas ao chegar na América, Colombo descobriu em nome do rei espanhol um vasto mundo ainda inexplorado e cheio de riquezas. Os espanhóis logo encontraram metais preciosos entre os povos da América Central e, mais tarde, prata na América do Sul.

Os portugueses inicialmente levaram grande parte do pau-brasil existente em nossas terras, e a partir da década de 1530 — mais especificamente a partir de 1534, com a implantação das capitanias hereditárias — expedições trouxeram os primeiros portugueses que iniciaram a colonização e a exploração do solo, plantando cana-de-açúcar, nosso primeiro produto agrícola exportado em larga escala para a Europa.

Mais tarde foi encontrado ouro na região das Minas Gerais. A mão-de-obra utilizada nestes serviços era escrava, trazida da África, já que durante as tentativas de circunavegação do continente africano até as Índias os portugueses estabeleceram alguns entrepostos no litoral daquele continente.

E como também já foi citado, franceses, holandeses e ingleses também desenvolvem sua navegação, começando a rivalizar com os ibéricos. O território que mais sofreu invasão e posterior colonização foi a parte espanhola do Tratado de Tordesilhas. Territórios onde hoje estão Canadá, EUA, Haiti, Suriname, Ilhas Cayman — entre outras pequenas ilhas caribenhas — e as Guianas, por exemplo, foram colonizados por franceses, holandeses e ingleses.

Povoamento e exploração

Antigamente nós escutávamos em sala de aula que algumas colônias sofreram exploração, por isso o atraso no desenvolvimento, enquanto outras foram poupadas da sangria pois serviram como colônia de povoamento.

É errado pensar desta forma, pois todas as colônias da América sofreram — em graus diferentes, lógico — povoamento e exploração.

Os ingleses, por exemplo, foram mandados à América do Norte porque na Inglaterra não havia espaço para plantar. O país vivia a época dos cercamentos[*], e a famosa frase de Thomas More faz sentido quando seu personagem Rafael Hitlodeu diz que

“Os carneiros (…) tornaram-se, segundo me contam, tão vorazes, tão ferozes que devoram até mesmo os homens, que devastam e despovoam os campos, as fazendas e as aldeias.” [1]


Uma vez estabelecidos em território americano, todos os colonizadores sofreram com medidas implantadas pelas metrópoles, como o monopólio comercial. Em resumo, as metrópoles tinham que manter a balança comercial favorável. E para isso, até regiões que hoje são extremamente desenvolvidas, como é o caso dos EUA, sofreram exploração.

E a Europa nesta época registrou grandes índices de desenvolvimento econômico. Quase todo o metal precioso retirado daqui ia para as cortes europeias. O ouro português e espanhol financiaram produtos finos produzidos por franceses e produtos do dia-a-dia, mais comuns, produzidos por ingleses.

Os manufaturados produzidos na Europa eram vendidos na América, pois em muitos lugares — inclusive no Brasil — era proibido montar indústrias. Tudo isso transportado em sua maioria por holandeses, que se especializaram no transporte marítimo.

A Inglaterra, com o passar do tempo, se transformou na maior potência econômica e marítima do planeta, com colônias e entrepostos espalhados no mundo todo, além dos portos “amigos” — portugueses em sua maioria — também espalhados pelos cinco continentes.

Demorou muito tempo para que as colônias conquistassem suas independências políticas, e mesmo assim algumas ainda dependiam, em parte, das antigas metrópoles. Dependência econômica? Alguns países não a conseguiram até hoje, mais de 500 anos após Colombo desembarcar em Cuba no dia 27 de outubro de 1492.

Mas isso é assunto para um próximo texto. Ou melhor, para vários próximos textos, já que o assunto das independências é vastíssimo.

Notas, referências e links

[*] Cercamento foi o processo de exclusão dos trabalhadores de seu meio de sustento, as terras produtivas, durante a transição do feudalismo para o capitalismo, mediante a transformação das terras produtivas de uso comum em propriedade privada.
[1] MORE, Thomas. Utopia. Editora Escala; São Paulo, 2005. p. 28.

Textos já publicados aqui no HZ e que ajudam a ampliar o assunto:

- A formação do Feudalismo
- A conquista da Península Ibérica
- Escola de Sagres: lenda ou realidade?
- Cabral descobriu o Brasil ou veio aqui apenas “tomar posse”?

Comentários

  1. Já li outro post você dizendo que a Escola de Sagres não existiu.

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    1. realmente não existiu nos moldes de uma "escola" propriamente dita

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