A França Antártica

Mapa da Baía de Guanabara, ou melhor… da França Antártica.


A França Antártica pode ser entendida como a tentativa de colonização de parte da atual região do município do Rio de Janeiro — mais precisamente, a região e as proximidades da Baía de Guanabara — pelos franceses, que instalaram-se, em 10 de novembro de 1555, na ilha de Serigipe (atual Ilha de Villegagnon), construindo ali uma fortificação que ficou conhecida como Forte Coligny.

A expedição responsável por alcançar a Baía de Guanabara foi comandada por Nicolas Durant de Villegagnon, que já havia explorado anteriormente a região de Cabo Frio e feito contato com os nativos tamoios. Neste contato, Villegagnon teve conhecimento da relação dos portugueses com os tupinambás, que na época habitavam a região do Rio de Janeiro. Esta relação não era nada amistosa, e o francês aproveitou para semear boas relações com as duas tribos.



Como os portugueses evitavam os tupinambás, os franceses escolheram a região, certamente para evitar conflitos com seus pares europeus. A ideia de Villegagnon era fundar uma colônia francesa no local, para aí sim construir um porto que funcionaria como entreposto comercial. Só que antes disso ele precisava convencer o rei da França que a empreitada daria certo...

10 mil libras, prisioneiros e uma “despistada”

Villegagnon voltou para a França com uma valorosa carga, resultado do escambo com os nativos em Cabo Frio. Lucrou com a venda e após uma demorada explicação para o rei Henrique II, convenceu o soberano de que uma colônia em território português seria algo viável.

Naquela época, apesar do Tratado de Tordesilhas — que praticamente dividia o continente americano entre portugueses e espanhóis —, franceses e holandeses também buscavam conquistar terras no “Novo Mundo”. Sobre este assunto, recomendamos a leitura do texto linkado acima, sobre o Tratado de Tordesilhas.

Continuando nosso texto… O rei investiu cerca de 10 mil libras na expedição de Villegagnon, valor considerado pequeno na época. Como precisava de uma tripulação — pois ele não tinha tanto dinheiro para contratar muitos marinheiros e não encontrava quem estivesse com vontade de encarar a viagem, mesmo com a promessa de pagamento — Villegagnon percorreu várias prisões francesas prometendo liberdade aos que aceitassem fazer parte da viagem.

E para despistar o ministro português em serviço na França, Villegagnon mandou espalhar o boato de que sua expedição iria para a Guiné, na costa africana.

Talvez por causa dos presos libertos que seguiram na expedição, ou talvez pela precariedade das instalações e da quantidade de trabalho em território português, Villegagnon teve alguns problemas com a disciplina de seus comandados, pois algumas exigências feitas a alguns franceses pelo comandante — como o casamento forçado com as nativas — não foram atendidas por alguns comandados.

Vários acabaram fugindo para as matas e passaram a viver com os nativos.

No caminho dos franceses, muitas dificuldades

Imaginem-se chegando por mar na Baía de Guanabara. Os morros que mais tarde seriam conhecidos como Pão-de-Açúcar e Corcovado ao fundo. Uma bonita imagem colocando a floresta, o asfalto, o concreto e o mar em contato quase indefinível. Onde começa e onde termina cada um? Bonito, não é? Agora façam o favor, pois nós estamos falando de 1555: retirem mentalmente TODOS os prédios, o asfalto, e deixem apenas a floresta e o mar. Imaginaram? Fica mais ou menos assim:

Descrição: montagem do que seria a região da praia de Botafogo, Pão-de-Açúcar ao fundo, sem qualquer casa, prédio ou outra intervenção humana. Só mato.


Pois este foi o cenário encontrado pelos franceses. Agora coloquem na floresta milhares de nativos completamente acostumados à vida que levavam antes da chegada do “homem branco”. E um forte para a defesa, casas e outros abrigos para construir pois, como eu disse, eles não vieram à passeio, e sim construir uma colônia.

Os franceses até receberam ajuda dos nativos no começo da empreitada, mas com o tempo os espertos nativos perceberam que os franceses não estavam com muita vontade de pegar no pesado e pararam de ajudar.

Assim, em alguns meses Villegagnon solicitou ao rei francês um efetivo de 3 a 4 mil soldados profissionais, operários para ajudar nas construções e algumas centenas de mulheres para casar com os franceses que aqui viviam. O rei, entretanto, estava impossibilitado de atender às solicitações de Villegagnon. Mesmo com todas estas dificuldades, em 1556 os franceses instalaram uma colônia em terra firme, batizada de Henriville, em homenagem ao rei francês.



A resposta portuguesa

Na falta de ajuda da Coroa francesa, em 1556 cerca de 300 calvinistas exilados em Genebra foram até o encontro de Villegagnon, mas a intenção também era a de transformar o local em uma colônia protestante, transferindo milhares de franceses perseguidos pelos conflitos religiosos na França.

Villegagnon acolheu o pequeno reforço com entusiasmo, mas as dificuldades eram tantas que os calvinistas retornaram à França e ainda por cima acusaram Villegagnon, que teve que voltar à Europa para esclarecimentos junto à Coroa.

Em 1559, o Governador Geral do Brasil, Mem de Sá (ao lado), recebeu ordens da coroa portuguesa para que expulsasse os franceses do local, pois aquelas terras eram garantidas pelo Tratado de Tordesilhas.

As forças portuguesas chegaram à Baía de Guanabara dia 21 de fevereiro, mas apenas em 15 de março Mem de Sá mandou um ultimato aos franceses que, uma vez não atendido, custou o domínio do Forte Coligny aos invasores.

Porém, por não ter um efetivo de soldados tão grande, Mem de Sá acabou não deixando uma guarnição para cuidar do local, e também não perseguiu os franceses que fugiram por terra firme e se esconderam nas matas. O comércio francês continuou com os nativos em terra firme.

Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, quando foi à corte levar notícias da destruição do Forte Coligny, recebeu da regente D. Catarina da Áustria a missão de fundar uma cidade na região, para auxiliar na ocupação do território. Estácio de Sá recebeu o título de Capitão-mor, poderes e instruções da Coroa para expulsar definitivamente os franceses dali.

Em 1564, já no Brasil, Estácio de Sá recebeu em sua frota o reforço do Capitão Belchior de Azevedo e do chefe Araribóia, à frente de guerreiros temiminós, inimigos dos tamoios.

Finalmente, a 1º de março de 1565, após algumas batalhas contra os franceses que já duravam desde o dia 6 de fevereiro de 1564, Estácio de Sá desembarcou numa estreita praia entre o morro do Pão-de-Açúcar e o morro Cara de Cão, iniciando imediatamente a construção de uma paliçada — onde hoje é Fortaleza de São João — e declarou fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Quadro “Fundação da Cidade do Rio de Janeiro”, de Antonio Firmino Monteiro.

Ainda com os primeiros muros da fortaleza sendo levantados, a recém-fundada cidade sofreu um assalto por mar, a 6 de março, desfechado por três naus francesas e mais de cento e trinta canoas de guerra de Cabo Frio. Após alguns dias resistindo ao assalto, Estácio de Sá decidiu passar ao contra-ataque, repelindo as embarcações francesas.

Em 24 de julho de 1565 foi realizada a cerimônia de posse da cidade, mesmo com algumas batalhas ainda sendo travadas entre os nativos e os portugueses.

A região foi dividida em trinta e três sesmarias, e em 1566, mais vinte e duas sesmarias foram concedidas na região, algumas inclusive ficando a cargo de alguns franceses que não resistiram aos portugueses.

Em 1567 não havia mais nenhum vestígio da ocupação francesa iniciada por Villegagnon, toda a região estava sob controle português.

Você sabia?

- “Carioca”, palavra habitualmente empregada para denominar aqueles nascidos na cidade do Rio de Janeiro, quer dizer “casa de branco” em tupi-guarani (kari-oca).

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