A Proclamação da República
No fim do século XIX o Brasil passava por profundas mudanças urbanas e sociais, principalmente nas capitais das províncias mais importantes. Havia um pequeno — porém significativo — avanço estrutural nas maiores cidades brasileiras, enquanto no campo os grandes donos de terras estavam às voltas com o clamor, cada vez maior e apoiado pela Inglaterra, dos abolicionistas que pediam o fim definitivo da escravidão.
Muitas das mudanças urbanas e sociais tinham o apoio do imperador Pedro II, homem extremamente simpático a alguns avanços. Não é errado dizer que o imperador, em muitos aspectos, era um homem à frente do seu tempo. Ele adorava viajar, fazia questão de absorver informações dos lugares que visitava e procurava trazer inovações para o Brasil, como o telefone e as estradas de ferro, por exemplo.
Mas alguns destes avanços que ocorreram durante o reinado de Pedro II trouxeram alguns problemas à manutenção da Monarquia, sustentada pela Igreja e pelo poder financeiro dos grandes donos de terras, que desejavam mais poder político junto à corte, fato este que muitas vezes era barrado pelo Poder Moderador, na pessoa do próprio Pedro II.
Devemos citar também os mandos-e-desmandos de vários membros da corte, que eram do conhecimento (ou não) do imperador, que acabava não interferindo nos assuntos administrativos locais, o que fazia a palavra deste membro da corte valer como lei, o que desagradava muitas vezes as oligarquias locais.
Duas mudanças em particular afetariam a sociedade e a economia no país e acabariam complicando a manutenção da Monarquia: a Lei Euzébio de Queiroz, que em 1850 acabou com o tráfico de escravos, e a Lei Áurea, em 1888, que deu fim à escravidão no Brasil.
Com o fim da escravidão, a mão-de-obra nas fazendas ficou muito mais cara. Muitos negros deixaram as fazendas e foram para as cidades em busca de empregos remunerados — que pagavam muito pouco, diga-se de passagem — enquanto no campo os imigrantes passaram a representar a maioria da mão-de-obra.
Só que este trabalho dos imigrantes não era feito de graça, como era na época em que a escravidão era liberada, o que acabava causando uma certa insatisfação por parte dos donos de terras, principalmente os cafeicultores, que produziam o item mais exportado pelo Brasil nesta época.
Grande parte da (ainda pequena) imprensa brasileira na época também era favorável ao fim da Monarquia e a implantação da República, o que fazia o assunto chegar a um número maior de pessoas, principalmente os profissionais liberais, principais consumidores destas publicações.
Outro acontecimento que aumentou a pressão pela implantação da República foi a Guerra do Paraguai. Muitos militares brasileiros tiveram contato com militares argentinos e uruguaios que eram favoráveis ao regime republicano que já estava há décadas implantado em seus respectivos países. A ideia de que “na Monarquia você sustenta uma família real e não tem direito a escolher seu representante máximo, enquanto os monarcas muitas vezes colocam-se acima das leis, etc… e em um regime republicano isso é bem diferente…” fez com que uma parte do corpo militar brasileiro estivesse, na época junto com a opinião pública, favorável ao regime republicano.
E como o Brasil tratou desta mudança é o que vamos ver agora.
Abaixo o imperador!… mas sem luta
O Brasil não teve uma transição de modo de governo muito tumultuada. Havia a insatisfação dos donos de terras, fato que pesava contra D. Pedro II, mas ao contrário dos grandes regimes europeus que caíram frente as demandas burguesas e as necessidades da população, no Brasil o povo não foi levado a lutar contra a coroa.O que enfraqueceu de vez o poder de D. Pedro II foi o apoio dado pelas elites e pela Igreja[1] aos militares. As Forças Armadas perderam espaço e prestígio junto à corte depois da Guerra do Paraguai, fato que deixava alguns dos líderes das Forças Armadas indignados.
Para piorar as coisas, além de desprestigiar os soldados brasileiros, o Império — por culpa principalmente do Visconde de Ouro Preto — decidiu espalhar os militares país afora, enquanto procurava isolar os principais comandantes do Exército e valorizar a Polícia, a Guarda Nacional e a Guarda Cívica.
O soldo era pequeno, os soldados estavam desprestigiados, os ministros de Estado eram civis indicados pelo imperador e tinham poder para interferir nas Forças Armadas, os militares não podiam se expressar na imprensa sem um "ok" do Ministro da Guerra e para piorar as coisas os republicanos passaram a semear a notícia de que o império ia acabar com as Forças Armadas.
Era de se esperar uma reação dos militares, mais alinhados com o pensamento Positivista, que sempre defendeu um governo republicano centralizado.
É bom citar que mesmo com todos estes fatos contrários às Forças Armadas, não havia entre os militares uma unanimidade favorável à deposição da Monarquia. O grupo liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que contava com alguns oficiais, é que tomou, em 1889, partido das mudanças solicitadas pelas partes já citadas.
O que poucos contam é que a ideia de Deodoro e de outros militares era agrupar as tropas, invadir o Ministério da Guerra e depor o ministro. Mas os republicanos fizeram correr novo boato, que dizia que o marechal poderia ser preso por ordem do próprio Visconde de Ouro Preto, presidente do gabinete ministerial.
Com relação à participação dos militares no evento, o historiador Celso Castro tem as seguintes linhas que cabem em nosso texto:
“O golpe republicano foi militar, em sua organização e construção. No entanto, foi fruto da ação de apenas alguns militares. Quase não houve participação da Marinha, nem de indivíduos na base da hierarquia militar (as “praças”, como os soldados ou sargentos). Mesmo em relação ao Exército, também estiveram ausentes oficiais situados no topo da hierarquia. Dentre os generais, apenas Deodoro esteve presente. Os oficiais superiores podiam ser contados nos dedos, o e que mais se destacou entre eles não exercia posição de comando da tropa: trata-se do tenente-coronel Benjamin Constant, professor de matemática na escola Militar.” [2]
Mesmo sem muita participação militar e popular, em 15 de novembro de 1889 o povo do Rio de Janeiro assistiu, sem ter muita noção do que estava acontecendo, a mudança de governo promovida por alguns militares e só depois apoiada por setores da sociedade, pois para muitos a movimentação dos militares no Centro Antigo do Rio de Janeiro pareceu um desfile de tropas.
As elites do café, a Igreja, a maioria dos profissionais liberais e simpatizantes diversos do regime republicano saudaram a mudança nos dias seguintes, mas o fato é que o grosso da população brasileira não tinha qualquer entendimento dos fatos. Na prática, para o povão, que continuou sem poder votar por muito tempo, pouco mudou no dia-a-dia.
D. Pedro II, sabendo do ocorrido no Rio de Janeiro, até acenou com a possibilidade de nomear um novo gabinete ministerial, para tentar apaziguar os ânimos, mas não teve sucesso na empreitada. Depois da Proclamação da República, Pedro II foi notificado formalmente que deveria deixar o país, para evitar embaraços políticos, e assim a família real deixou o Brasil rumo à Europa no dia 18 de novembro.
Deodoro da Fonseca foi nosso primeiro presidente, eleito ainda em 1889 para cuidar do governo provisório instalado para organizar a República, e acabou inaugurando o período da nossa História que ficou conhecido como “República da Espada”.
É inegável que a Proclamação da República foi importantíssima para o processo democrático no Brasil, mesmo sem a participação popular. Mas olhando hoje para o nosso passado, avaliando o presente — e principalmente, prestando atenção em nossos barulhentos vizinhos — não podemos deixar de notar que a Democracia brasileira sofreu e ainda sofre pela falta de participação de seu povo.
Nós (o povo) ainda influenciamos muito pouco o processo democrático, que não é feito apenas com a eleição de nossos representantes. A participação popular durante o mandato dos candidatos eleitos infelizmente ainda é muito pequena.
Mas isso é assunto para outro texto…
Notas e fontes
[1] Nesta época o problema da Igreja com a Monarquia era o seguinte: o papa Pio IX decidiu excluir os maçons da Igreja. No Brasil, os bispos de Olinda e Belém do Pará resolveram seguir as ordens da Santa Sé, mesmo com a bula papal ainda não ratificada por D. Pedro II, que tinha este poder dentro do Brasil. Aparentemente a Santa Sé teria esquecido que tanto Pedro II quanto outros membros influentes da corte e da sociedade civil brasileira eram maçons. Os dois bispos foram presos em 1872 e soltos, via perdão imperial, em 1875, mas as relações entre a Monarquia e a Igreja ficaram estremecidas desde então.[2] CASTRO, Celso. “A Proclamação da República”. Ed. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2000. p.9 (pode ser acessado neste link).
- COSTA, Emilia Viotti da. “Da Monarquia à República: momentos decisivos”. 8.ed. revista e ampliada. Ed. UNESP. São Paulo, 2007.
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