A Lei Áurea “libertou” os negros. Mas não trouxe igualdade na sociedade brasileira…

Sessão do Conselho em que a princesa assinou a Lei Áurea.

Dia 13 de maio de 1888. A princesa Isabel, nas atribuições de regente do Império do Brasil — o imperador D. Pedro II estava viajando -, sancionou a Lei Áurea e acabou formalmente com mais de 300 anos de escravidão no país. Após muitas pressões externas — leia: “pressões da Inglaterra” — e internas, lideradas pelos grupos de abolicionistas brasileiros que existiam na época, os escravos tiveram, enfim, sua liberdade oficializada em uma lei que proibia o cárcere e o trabalho forçado.

É verdade que o governo imperial sancionaria a lei de qualquer forma. A pressão, principalmente da Inglaterra, estava insustentável e o governo imperial ia ceder mais cedo ou mais tarde.

Dizem até que D. Pedro II teria cochichado no ouvido da princesa Isabel momentos antes de sua partida para o exterior, autorizando a filha a sancionar a lei em sua ausência.

Verdade ou não, o fato é que a Lei Áurea acabou formalmente com um processo exploratório que vitimou milhões de africanos.

Mas eu gostaria de aproveitar o texto para divagar brevemente sobre a situação dos escravos recém-libertos, e aí deixarei algumas perguntas para reflexão. Pois na teoria os negros estavam livres de toda e qualquer exploração. Mas na prática não foi bem assim…

Leiam e pensem sobre o assunto. E fiquem à vontade para comentar.

Os escravos recém-libertos tiveram acesso imediato ao trabalho remunerado?

Vamos raciocinar: se você não é mais escravo, você não é mais (mal) alimentado pelo senhor de engenho, ou cafeicultor, ou qualquer outro termo que designe o senhorio.

Simplificando: você precisa trabalhar para ganhar dinheiro, comprar comida e pagar um lugar para morar, no mínimo. Os ex-escravos, naquela época, tiveram acesso imediato a um trabalho remunerado?

E os imigrantes europeus que começaram a chegar aos milhares no Brasil para trabalhar nas lavouras, por um salário baixo e trabalhando de forma mais educada, sem resistir às ordens[*], como muitos negros faziam enquanto escravos? Será que eles tiravam as vagas de trabalho dos ex-escravos nas lavouras?

Como ficava o escravo que não conseguia emprego, ou então trabalhava ganhando bem pouco, muitos inclusive na mesma lavoura onde eram escravos antes da assinatura da Lei Áurea? Será que o agora “patrão” tratou os ex-escravos com respeito?

Que direitos sociais os ex-escravos ganharam com a abolição, já que agora a “liberdade” era não só dos brancos, mas de todos?

Os ex-escravos puderam, nos anos vindouros, participar do processo eleitoral? Após a Proclamação da República, a Constituição de 1891 dizia que os analfabetos não poderiam participar dos pleitos. Todos os ex-escravos — ou pelo menos, uma boa parte — frequentavam escolas antes da abolição? E depois da abolição, eles tiveram acesso fácil à educação “formal”?

Naquela época não existia o conceito e muito menos qualquer política de inclusão social. Política, aliás, formulada recentemente, diga-se de passagem. O negro continuava à margem da sociedade por causa da falta desta educação formal?

A Lei Áurea acabou também com o racismo no Brasil?

Esta pergunta é a mais complexa. Porque até hoje, pleno século XXI, nós podemos observar, em várias situações do dia-a-dia, um racismo embutido, camuflado. Não adianta negar. Eu já vi, você já viu, muitos já tiveram atitudes racistas. Aliás, ouça uma pessoa negra. Ela é a única que pode te dizer se uma atitude, um pensamento ou um comentário é ou não racista.

Mas voltando ao texto... se hoje ainda existe racismo, naquela época era pior. Os europeus, para justificar a escravidão, aceitavam toda e qualquer teoria antropológica que diminuísse o negro[**], tanto física como mentalmente. Quando um pesquisador europeu publicava um estudo dizendo que a cabeça do negro, por ter um diâmetro menor que a cabeça do branco, tornava o cérebro do negro menos capaz de raciocinar, isso era motivo de aplauso, afinal de contas, a barbárie branca tinha que ser justificada de alguma forma!

Imagino que no Brasil do século XIX as teorias antropológicas não eram exatamente papo-de-bar, mas aquele ranço gratuito do negrinho — que até ontem era só mais um escravo e nem era considerado gente — que a Casa Grande tinha (tem) da Senzala certamente prejudicou, e ainda prejudica a vida de muitos negros.

Como eu disse no tópico anterior, não havia na época uma política de inclusão social. Conquistas recentes, como cotas para negros nas universidades e a implantação do estudo de História da África nas escolas sequer eram sonhadas na época da abolição. Eu sou entusiasta da ideia de que o estudo de História da África, se bem realizado com os alunos, é muito importante para diminuir o racismo que porventura venha a distorcer a formação das crianças.

A Lei Áurea foi importante SIM, não tenha dúvida, mas ela NÃO FOI elaborada juntamente com uma série de outras leis que contribuíssem para diminuir o abismo social que já existia ANTES do fim da escravidão.

Libertos desde 1888? Sim. Aceitos pela população e incluídos na sociedade brasileira? Nem tanto. Portanto, cada conquista social da população negra do Brasil — principalmente nos últimos 20 anos — deve ser sempre celebrada!

Notas:

[*] Muitos destes europeus, que vieram em várias ondas migratórias para o Brasil, vão ajudar a fundar os primeiros sindicatos do país — uma forma, digamos, mas organizada de resistência à exploração trabalhista — mas isso é assunto para outro texto, ok?
[**] Na verdade muitas teorias antropológicas da época visavam diminuir todo e qualquer povo não-europeu, incluindo indianos, chineses, árabes, americanos nativos etc… Se era conveniente, a teoria era a mais aceita.

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