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Batismo de Sangue e a face podre da Ditadura


Um dos filmes nacionais mais fortes, tanto pela temática quanto pelo trabalho dos atores, excelentes em seus papéis, é o “Batismo de Sangue” (2007), inspirado no livro homônimo escrito por Frei Betto.

Ele conta a história dos frades dominicanos Tito, Oswaldo, Fernando e Ivo, além do próprio Betto, que no fim da década de 1960 auxiliaram a Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada pelo guerrilheiro Carlos Marighella, um dos principais líderes da resistência armada contra os militares que tomaram o poder no Brasil a partir de 1964, com o Golpe Militar.

Dirigido pelo cineasta Helvécio Ratton, o filme chama a atenção porque mostra a face mais cruel da Ditadura no Brasil: a tortura institucionalizada pelos aparelhos repressivos, que vitimou milhares de pessoas e deixou marcas até em quem jamais sofreu qualquer tortura, tamanho o medo que despertou até naqueles que só ouviam falar dos acontecimentos.

O trailer deste filme você pode assistir neste link.

A morte de Marighella

Ele era uma das pessoas mais procuradas pelos “milicos” na época da Ditadura Militar. Carlos Marighella foi preso e torturado por duas vezes durante o primeiro governo Vargas e chegou a viajar para a China entre 1953 e 54, para ver de perto a recém-realizada Revolução Chinesa.

Após ser baleado e preso por agentes do DOPS em 1964 — e solto em 1965 por decisão judicial — resolveu fundar e liderar a ALN, organização que, juntamente com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), organizou o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick em setembro de 1969. Este sequestro foi retratado, com detalhes, no filme “O Que É Isso, Companheiro?”, de 1997.

Marighella foi caçado pelo então delegado Sérgio Paranhos Fleury, também conhecido como “papa”, e que no filme é interpretado pelo ator Cássio Gabus Mendes — assustador no papel, diga-se de passagem. E o que o delegado Fleury fez para colher as informações necessárias para encontrar Marighella? Forçou o elo mais fraco da corrente, prendendo e torturando os frades que estavam apoiando a ALN.

Neste ponto, é importante lembrar que na época do Golpe, grande parte dos integrantes da Igreja Católica apoiavam a ação dos militares. Mas com o tempo, certos setores mais progressistas da Igreja repudiaram a presença dos militares no poder, principalmente após o AI-5, que acabou definitivamente com a liberdade democrática no país.

A tortura como arma repressora

O filme já seria interessante devido seu tema, um dos momentos mais tristes da recente História do Brasil, mas o diretor vai além ao retratar as cenas de tortura de uma forma bem realista. Dependendo da pessoa, ela pode até se sentir bem incomodada com algumas cenas. Este momento do filme é bem assustador, mostrando o quanto o ser humano pode ser cruel com outro ser humano só para conseguir informações supostamente "valiosas".

Brasileiros utilizando a estrutura do Estado para torturar outros brasileiros. Se isso não é crime, não sei mais o que é…


Todos os frades foram torturados e depois presos, mas o que mais sofreu os efeitos da tortura sem dúvida foi Frei Tito. Ele passou um tempo na prisão, mas foi um dos presos políticos “negociados” após o sequestro do embaixador suíço Giovani Bucher, executado pela própria ALN.

Exilado no Chile, após um tempo Tito teve que ir para a Itália, onde não conseguiu apoio da Igreja Católica. De Roma para Paris, foi acolhido pelos dominicanos franceses e tinha constantes surtos psicológicos. Os dominicanos relataram diversas ocasiões em que Tito agia como se estivesse sob os cuidados do delegado Fleury, com medo e muito assustado. Tito se enforcou em 10 de agosto de 1974.

Além do excelente trabalho dos atores, é importante salientar que o filme é uma ótima oportunidade de discutir certas medidas que eram tomadas por alguns aparelhos responsáveis por manter a “ordem” durante a Ditadura no Brasil. Ao mostrar certos horrores sem medo, o diretor — que também militou contra a Ditadura e na época teve que sair do país — dá uma importante contribuição para o debate.

“Batismo de Sangue” é um filme obrigatório para todos interessados em conhecer mais um pouco deste período da nossa História recente. Se hoje vivemos sob uma Democracia no Brasil - mesmo que fragilizada nos últimos anos e desde 2019 constantemente ameaçada por grupelhos fascistas -, devemos muito a algumas pessoas que lutaram contra a Ditadura. E a gente sabe que nossa Democracia não é lá uma maravilha, são milhões de falhas nos Três Poderes, mas mesmo assim nós no HZ acreditamos naquela frase que diz:

“A pior das democracias ainda é infinitamente melhor que a melhor das ditaduras.”


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