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A Revolução Chinesa


Enquanto marco histórico, podemos assinalar o ano de 1949 como o principal da Revolução Chinesa. Mas enquanto processo histórico, nós precisamos entender os antecedentes da revolução, para poder estudar o que aconteceu em 1949 e nos anos posteriores deste que foi um dos principais movimentos populares do século XX.

Os antecedentes da Revolução Chinesa

Durante todo o século XIX e início do século XX as potências imperialistas europeias — em especial a Inglaterra — mandaram e desmandaram na China. O interesse comercial na região era grande, pois não é de hoje que nós temos muita gente vivendo por lá. O raciocínio é aquele de sempre: muita gente, muita procura por produtos, muito comércio.

Falamos um pouco sobre esta relação comercial conturbada no texto sobre a Guerra do Ópio. Inclusive recomendamos a leitura, ok?


Ainda no início do século XX os chineses se mobilizaram para expulsar os estrangeiros de suas terras e seus negócios. Xuantong, o último imperador da dinastia Manchu, foi deposto por forças populares neste movimento de libertação do país, movimento este que acabou com o Império chinês e fundou a República da China em 1911. Este evento é conhecido como Revolução Xinhai.

Ou seja: já nesta época os chineses tinham consciência de que não adiantava expulsar os estrangeiros que prejudicavam o comércio do país, mas também era necessário tirar do Poder quem apoiava este comércio e era conivente com as práticas, prejudiciais aos comerciantes chineses e, por tabela, à população.

Mas depois disso nós vamos ter um novo problema, acompanhem…

Inicialmente, após a Revolução Xinhai os chineses observaram uma diminuição da interferência européia no comércio chinês, mas o Japão passou a estender suas garras pela região após 1915. Com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914 os europeus, enfraquecidos pelo conflito, deram lugar definitivo para os japoneses na influência comercial da China.

Para vocês terem uma ideia, o Japão chegou a controlar cerca de 45% do território chinês entre as décadas de 1930 e 1940.

A população, que já não suportava a crescente miséria, principalmente no campo, apoiou a criação do Partido Comunista Chinês em 1921.

Mas seus integrantes logo foram perseguidos pelas lideranças do Kuomintang, o Partido Nacionalista, que passou a controlar a China a partir de 1911. O Kuomintang foi fundado logo após a Revolução Xinhai, de forma que o partido estava completamente entranhado no governo chinês.

Os chineses ficaram acuados por um governo que era submisso ao Japão por um bom tempo. Mas durante a Segunda Guerra Mundial, liderados por membros do Partido Comunista, uma boa parte de população pegou em armas para expulsar os japoneses e, aproveitando a oportunidade, expulsaram o Kuomintang do poder. Era o início da Revolução.

Mao Tsé-tung, o “Grande Timoneiro”

O Kuomintang foi expulso em 1949 e seus líderes fugiram para a ilha de Formosa, onde fundaram a cidade de Taiwan e uma nova República da China. À frente do governo da República Popular da China, agora um país comunista, ficou Mao-Tsé-tung, um ex-jornalista que é considerado até hoje por muitos chineses como um grande militar, estrategista e mentor político. Propagandas políticas à parte, Mao foi o principal responsável por libertar os chineses da dominação imperialista que já durava mais de um século.


Seu conjunto de ideias, realizações políticas e contribuições teóricas para o marxismo são conhecidas como maoísmo.

O que difere o governo de Mao dos outros governos comunistas da época é que a partir de 1956 a China rompeu relações com a URSS.

Aquela ajudinha dada pelos soviéticos aos países que se alinhavam à sua política deixou de abastecer a China. O que estava dando certo — como exemplo podemos citar que os chineses conseguiram ampliar a produção agrícola do país em 70% em poucos anos — começou a ter que ser gerido apenas com recursos chineses.
,br>Mao Tsé-tung levou à frente dois grandes planos de desenvolvimento a partir de 1955:

1) Coletivização da agricultura e sociedade (1955–1957):


O país inteiro passou por um grande processo de socialização coletiva. Ao todo mais de 24 mil comunas foram fundadas, onde todo o trabalho era dividido, possibilitando que até as mulheres pudessem trabalhar no campo, com o objetivo de aumentar ainda mais a produção de alimentos.

O governo chinês ainda fornecia gratuitamente seis serviços básicos para o cidadão: alimentação, assistência médica, escolas, funeral, corte de cabelo e acesso à cultura — na maioria das comunas o serviço cultural disponível era apenas o cinema.

2) O Grande Salto Avante (1958–1960):

O objetivo principal era industrializar ao máximo a economia chinesa e gerar finalmente a igualdade socialista. O plano era baseado nos “saltos de desenvolvimento” soviéticos.

Estas duas iniciativas não deram muito certo e a China acabou sofrendo com a pior fome do século, entre os anos de 1959 e 1960. Milhares de camponeses morreram porque não tinham o que comer e a sociedade chinesa se viu desestruturada.

O que deu errado? Bom, Mao Tsé-tung se afastou por um tempo da política interna da China. Meio isolado dentro do próprio partido, Mao voltou em 1966 denunciando ideias capitalistas e burguesas no seio da sociedade, o que teria atrapalhado o estabelecimento do comunismo pleno. Ele então propôs a terceira tentativa de livrar definitivamente a China do Capitalismo…

A Revolução Cultural Chinesa


Mao Tsé-tung e muitos líderes políticos chineses achavam que não só as ideias e modos burgueses estavam atrapalhando o desenvolvimento do país como também desejavam distância do modelo soviético de administração, considerado pela alta cúpula chinesa como falido, atrasado, onde os burocratas soviéticos viviam com mordomias que o resto da população não tinha acesso.

Segundo o cientista político Kenneth Lieberthal,

Mao tinha quatro objetivos: corrigir o rumo das políticas do Partido Comunista Chinês; substituir seus sucessores por líderes mais afinados com o que pensava; assegurar uma experiência revolucionária à juventude chinesa; e tornar menos elitistas os sistemas educacional, cultural e de saúde” [fonte]

Mao também desejava mudar o modo de pensar dos chineses, já que as tradições milenares, seguidas por milhões de pessoas em todo o país eram consideradas reacionárias — talvez por respeitar demais a hierarquia e dificultar as denúncias quando um “chefe” prejudicava seus “comandados” em troca de mordomias?

Quem sabe este era realmente o problema? Reflitam sobre isto e, certo ou não, Mao tinha um pouco de razão em colocar a culpa do fracasso do Sistema em certos hábitos culturais chineses.

O que sabemos de certo é que foram formados em todo o país destacamentos da Guarda Vermelha, formados principalmente por jovens estudantes doutrinados pelo Livro Vermelho — um livro que continha uma série de escritos atribuídos a Mao Tsé-tung — e comandados por Jiang Qing, esposa de Mao.

O objetivo principal da Guarda Vermelha era atacar os Quatro Velhos da sociedade: as “velhas ideias”, a “velha cultura”, os “velhos hábitos”, e os “velhos costumes” da China.

Na prática muita gente foi atacada — e até mesmo morta — por ter um pensamento diferente do que estava escrito no Livro Vermelho e no que Mao Tsé-tung e os líderes chineses tinham como ideologia para o país. Livros foram queimados, peças de teatro e filmes tiveram suas exibições proibidas, produtos do ocidente não entravam na China, pessoas e ideias foram perseguidas e proibidas de “existir”.

Só que toda radicalização cobra seu preço. Neste caso, com o tempo a Guarda Vermelha começou a se dividir em diversas facções que seguiam cada qual sua interpretação do que seria melhor para a Revolução Cultural. Óbvio que o movimento foi perdendo força, até que em 1976 Mao Tsé-tung faleceu e a entrada de Deng Xiao-Ping no poder acabou com a Revolução Cultural.

Xiao-Ping também abriu gradativamente o país para as tecnologias externas, e o processo gradativo de modernização e abertura do capital chinês foi — em uma visão superficial — tão bem feito que hoje a China é uma das maiores potências do mundo. Se a população continua sem liberdade de expressão, aí é outra História…

Fontes

– Todos os posters que ilustram este texto eu tirei deste site.
– “1949: A revolução socialista de Mao Tsé-tung”.
– HOBSBAWN, Eric. “A era dos extremos”. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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