Toussaint Louverture, o Libertador do Haiti


Espero que todos que chegaram neste texto já tenham lido nossa revista sobre os Libertadores da América, homens que lideraram as lutas que marcaram os diversos processos de independência da América do Sul.

Se ainda não leram, aí vai o link. A revista sobre os Libertadores é a edição número 5, ok?

Revista HistóriaZine n°5 - Os Libertadores da América


Voltando ao nosso texto, é fato que o continente americano, de um modo geral, teve várias figuras de destaque na “libertação” da colonização promovida pelos europeus.

Uma destas figuras chama a atenção por dois fatores: ele era negro — portanto, fazia parte da população que foi capturada na África para virar escrava aqui na América ou já nasceu aqui com este destino — e adquiriu ao longo da vida uma certa bagagem ideológica que o transformava na pessoa certa para liderar a primeira e única Revolução dos Escravos que deu certo desde a Antiguidade Clássica!

Quem foi Toussaint Louverture? É o que vamos ver neste texto…

O Líder que os escravos precisavam

Toussaint Louverture nasceu em 1743 na colônia francesa de Santo Domingo — a ilha onde hoje existem dois países, Haiti e Santo Domingo — e desde cedo foi estimulado pelo seu dono, o Conde de Brèda, a aprender a ler e escrever.

Louverture teve essa "moleza" (por favor, com muitas aspas) com relação aos outros escravos que ralavam de sol-a-sol nas lavouras, pois ele deu sorte de fazer parte de uma pequena parcela dos escravos que eram empregados como capatazes, supervisionando o trabalho nas lavouras.

Aliás, é importante citar que havia uma elite escrava na ilha, composta por escravos urbanos e/ou domésticos que trabalhavam nas fazendas também como cozinheiros, criados e artesãos. Louverture fazia parte deste grupo, que era formado principalmente por negros nascidos na região.

Mas entendam uma coisa: infelizmente ele continuava sendo um escravo, sem qualquer direito.

Ele também desenvolveu desde cedo o apreço pela leitura, tendo contato direto com os escritos de vários autores, o que fortaleceu a tal bagagem ideológica que nós citamos no início do texto.

Segundo registros ele foi libertado por volta de 1777 e provavelmente usou o pouco dinheiro que acumulou nos serviços prestados na lavoura para adquirir uma pequena propriedade rural e alguns escravos. É normal imaginar que, tratando seus escravos de forma mais humana e recebendo em troca a mesma dedicação no trabalho, sem usar o chicote e outras punições, Louverture tenha desenvolvido a ideia de que precisava livrar aquele povo da escravidão.

Somado às notícias que davam conta da Revolução Francesa de 1789 e seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, Louverture virou líder de uma verdadeira Revolução.

O Haiti é ali

É importante salientar um detalhe importantíssimo: na época a população de escravos da região era muito maior que a de franceses ou brancos de outras nacionalidades. Estima-se que para cada colono francês — cerca de 40 mil em toda a ilha — existiam dez escravos. E entre a elite negra, mais 28 mil pessoas, que tinham certo acesso à alfabetização, podiam ter bens imóveis e até outros escravos.

O primeiro escravo revolucionário que se tem notícia foi François Mackandal, sacerdote vodu que organizou uma série de quilombos — bem aos moldes dos quilombos do Brasil, por isso a associação dos nomes, ok? — que moveu pequenas revoltas entre 1751 e 1757, constituindo as chamadas Milícias Maroon, que persistiram lutando mesmo após a morte de Mackandal, em 1757.

A sensação entre os fazendeiros franceses era de constante medo de que uma grande revolta um dia ia eclodir entre os escravos. Mas eles não sabiam que suas próprias palavras seriam o estopim de tudo: as notícias da Revolução Francesa, passadas primeiro pelos fazendeiros, que tinham contato direto com franceses que viviam a Revolução em Paris, rolando no boca-a-boca entre os escravos mais esclarecidos, que ouviam as conversas dos patrões e as transmitiam para seus pares, foi o principal motivo do levante escravo.

No dia 22 de Agosto de 1791, Dutty Boukman, o líder dos Maroons na época, deu ordem para o levante. A parte norte da ilha foi tomada em 10 dias. Houve muita resistência dos colonos, que estavam armados para rechaçar uma revolta escrava, o que tornou o conflito mais sangrento do que o normal, mas o número de escravos que ia se juntando à batalha aumentava cada vez mais, deixando os franceses sem muita opção a não ser avisar a Metrópole, que já estava em uma situação interna meio complicada.

É aí que entra a Inglaterra, a Espanha e, claro, nosso personagem principal.


A “jogada de mestre” de Louverture: apoiar os franceses…

Ué, não entendi… como assim???


Em 1792, cerca de um terço da ilha já estava na mão dos escravos. Se a gente olhar no mapa a ilha de Santo Domingo, este um terço representa uma extensão pequena de terra. Mas aquela região, naquela época, era uma das maiores produtoras de açúcar de todo o planeta! E parte da ilha — aproximadamente onde hoje é o país Santo Domingo — estava na mão dos espanhóis.

Óbvio que os franceses não queriam perder o comércio com a região, o que fez a Assembléia Legislativa francesa, ainda em 1792, a conceder direitos civis e políticos aos negros das colônias. Além disso, enviou 6 mil soldados para acalmar a revolta, o que não ajudou muito em um primeiro momento, pois esta decisão de conceder direitos civis aos negros chocou várias monarquias europeias, principalmente a Inglaterra.

Por outros rolos diplomáticos (dignos de um chanceler terraplanista), os franceses declararam guerra à Inglaterra, o que fez ingleses e espanhóis que viviam na região de Santo Domingo se juntarem aos fazendeiros para lutar contra os franceses.

Para evitar um massacre e perder completamente a influência na região, os franceses fizeram acordo com os negros revolucionários, prometendo não incomodá-los em suas decisões caso vencessem ingleses, espanhóis e fazendeiros. E ainda em 1793, a França proclamou o fim definitivo da escravidão em todas as suas colônias, facilitando os acordos com os (agora) ex-escravos.

E é aí que entra Louverture! Nesta época ele já estava lutando ao lado dos revolucionários contra os fazendeiros. E foi um dos principais generais na luta contra a união de ingleses, espanhóis e fazendeiros franceses que não queriam perder seus direitos.

Em pouco tempo os negros, que eram maioria quase absoluta, venceram os inimigos. Ao término da luta armada a França tentou, sem sucesso, manter o controle total da colônia. Louverture foi contra a volta da ordem estabelecida pela França. Para isso, invocou os acordos firmados no ato da aliança com os franceses e tornou-se o responsável por governar a região.

Em 1801, Louverture declarou a autonomia da região, com direito a uma Constituição que o mantinha como governador vitalício. Em retaliação, Napoleão Bonaparte enviou tropas para a ilha em 1802.

Apesar de estarem em bom número, as tropas de Louverture perderam parte de sua força, pois foram traídos por alguns de seus principais apoiadores, principalmente Jean-Jacques Dessalines, que desertou para o lado francês.

Capturado em 1803, Louverture foi deportado para a França. Preso no Fort de Joux, veio a falecer no dia 7 de abril do mesmo ano. Porém, os traidores que agora governavam a ilha sob as ordens dos franceses perceberam que a intenção de Napoleão era retomar a escravidão na ilha.

Dessalines percebeu a burrada que cometeu ao trair Louverture e enfim liderou os negros em batalhas contra as tropas de Napoleão, vencendo-os de forma definitiva em novembro de 1803.

E em 1° de janeiro de 1804 o Haiti se tornou a primeira República governada por pessoas de descendência africana. Definitivamente, um marco para a História da Humanidade.

Infelizmente, hoje o Haiti está completamente destruído, primeiro por uma guerra civil, depois por um terremoto devastador. O país, que já não era um exemplo de pujança econômica, tem um dos piores IDHs do mundo e sua população sofre muito com a pobreza.

Na época de Louverture, a intenção era formar uma sociedade multirracial e multicultural. E como a maioria dos países da América Latina, viveu sempre à sombra de alguma “metrópole”, o que manteve o país pobre, mesmo sendo tão rico.

Fontes:

Quem foi Toussaint Louverture?, texto do site da UNESCO (em inglês).
A Revolução Escrava do Haiti
Todos os links foram verificados em 20/12/2019.

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