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Os Vikings bizantinos

Você, querido(a) leitor(a), já assistiu a série “Vikings”? Se ainda não assistiu, deveria. Independente disso, se prepara porque tem uma história legal neste texto, falando sobre os vikings que migraram em direção à Europa oriental e até mesmo para a Ásia…

Vikings defendendo Constantinopla - O nascimento da Guarda Varegue

Lá pelos séculos X e XI uma parte do povo viking que vivia na região de Uppland  -  que hoje faz parte da Suécia  - migraram para o nordeste, na região de Novgorod e Rostov. A partir dali, os vikings liderados pelo rei Rurik  - que veio a ser o fundador da dinastia dos czares  - iniciaram um novo movimento de migração para o sul, conquistando a região de Kiev, onde hoje é a Ucrânia, fundando o reino de Rus’.

E se você já conseguiu ligar o nome “Rus” à “Rússia”, parabéns, é isso mesmo.

Excelentes navegadores, passaram a controlar as rotas dos rios Volga e Dnieper, comercializando tanto com os califados árabes quanto com os gregos bizantinos, além de parte da Europa feudal.

Constantinopla era um dos entroncamentos destas rotas, e é óbvio que nesta época alguns acordos comerciais e militares tiveram que ser celebrados para, digamos, evitar o estresse entre os líderes destas regiões.

Ataques das forças de Rus’ contra o Império Bizantino aconteceram mas, neste caso, os bizantinos preferiram negociar -  o Império Romano do Oriente não sobreviveu por mil anos à toa, né amigos?  - e cederam certas vantagens comerciais aos vikings, em troca de algumas coisas.

Entre estas coisas, a cessão de uma tropa que passou a auxiliar na defesa do Império, de onde acabou nascendo a Guarda Varegue, que por muito tempo foi uma das principais forças militares do Império Bizantino.

Estes homens também eram chamados de varangianos, e vocês podem encontrar esta nomenclatura em outros textos, mas aqui vamos usar o nome varegue, ok? É mais fácil.

Seis mil homens para defender Constantinopla

Ao lado, representação de um guarda varegue.

Após os acordos, celebrados em 971, os varegues chegaram a servir como mercenários contratados em algumas batalhas bizantinas, mas foi em 988 que o imperador Basílio II celebrou um acordo definitivo com o rei Vladimir I de Kiev, que enviou seis mil homens para Constantinopla.

Em troca, Vladimir casou com a irmã de Basílio, Anna.

E na Idade Média nós sabemos que um casamento significava muito mais a consolidação de uma aliança política do que “amor” entre os casados, concordam?

Além do casamento, Vladimir I também se converteu ao cristianismo, levando boa parte de seu povo a seguir sua opção religiosa.

Conversões à parte, o que fez dos seis mil varegues a guarda de elite do imperador bizantino foi a lealdade dos homens, além da extrema violência com que tratavam seus adversários, promovendo o medo por onde passavam.

Basílio II não confiava muito em seus comandantes -  e o envio dos seis mil homens serviu justamente para Basílio derrotar o general Bardas Phokas, que havia se rebelado na região de Crisópolis - mas o fato é que os futuros imperadores também tiraram proveito desta lealdade e do terror provocado pelos varegues, o que tornou a Guarda uma força muito respeitada dentro do Império.

O mais impressionante de tudo é que com o passar do tempo a Guarda recebeu guerreiros germânicos, suecos, dinamarqueses, até mesmo anglo-saxões, que tinham seus reis, seus imperadores, mas todos sempre lutaram até a morte pelo Império Bizantino.

O maior exemplo talvez seja o cara representado na imagem no final deste parágrafo, Haroldo Sigurdsson (Haraldr Sigurðarson, também conhecido como Haraldr Hardrada ou Haraldr III), considerado “o último grande rei viking”. Antes de se tornar rei na Noruega e invadir a Inglaterra em 1066, ele serviu por dez anos na Guarda Varegue.


Óbvio que uma força militar deste porte não serviria apenas para a defesa pessoal do imperador. Temos registros dos varegues em batalhas na Sicília contra os árabes, no sul da Itália contra os lombardos, além de batalhas na região de Venosa  - atenção: não é Veneza, ok?  - contra os normandos.

Os soldados da Guarda normalmente usavam cota de malha e um elmo de ferro, além de botas de couro e um grande escudo redondo de madeira que, apesar de aparente fragilidade, era feito de abeto, pinheiro ou tília, madeiras mais resistentes a impactos.

Chamava atenção o machado de cabo longo que a maioria dos guerreiros empunhavam, mas eles também carregavam uma espada larga , que era bem mais leve que uma longsword, por exemplo , e muitos utilizavam também o arco-e-flecha, além dos cavalos como montaria.

O declínio da Guarda Varegue está ligado, em parte, ao declínio do próprio Império Romano do Oriente. Durante a Quarta Cruzada, em 1203, Constantinopla foi sitiada pelos cruzados liderados pelo veneziano Enrico Dandolo. Tanto o exército bizantino quanto a Guarda Varegue sofreram pesadas baixas. Os varegues até conseguiram proteger boa parte da muralha e o imperador Aleixo III por algum tempo, mas o imperador acabou fugindo para a Trácia.

Após este evento, não se tem mais registros do uso de guerreiros escandinavos em Constantinopla. Uma Guarda Imperial, formada principalmente por cretenses e gregos, tomou o lugar da Guarda Varegue. E, cada vez mais enfraquecida, Constantinopla e todo o Império Romano do Oriente caíram em 1453…

Mas isto é assunto para outro texto…

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