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Viva o Folclore brasileiro!


Todo ano, na época do “halloween”, podemos constatar, entre brasileiros, algumas manifestações contrárias a esta festa. É simples: o costume veio dos EUA e nós estamos no Brasil. Portanto, deveríamos valorizar a cultura nacional.

Eu acho que a reclamação é, até certo ponto, justa. Mas talvez as pessoas que reclamam estejam querendo chamar atenção na época errada, já que nós temos o Dia do Folclore Brasileiro, que é festejado em 22 de agosto.

Acho justíssimo a valorização da cultura tupiniquim. Como experiência pessoal, posso dizer que eu cresci na década de 1980 tendo contato com todo este conjunto de lendas e mitos brasileiros, principalmente na escola (e estudando em um colégio religioso, vejam só!).

Outro fato que temos que destacar é que em várias culturas a veneração aos mortos toma ares festivos, bem diferente do que acontece aqui no Brasil com a celebração aos “finados” tão pesada, forçada na tradição católica apostólica romana. Temos, como exemplo, o “Dia de los Muertos”, que é comemorado no México. E nunca é demais lembrar a veneração de várias culturas da antiguidade aos mortos e à vida além-túmulo. Muitos povos mantém estes costumes até hoje!

E a Cultura Nacional? O nosso Folclore?

Bom, a intenção do texto é falar um pouco das nossas lendas, então vamos a elas!

Pesquisando um pouco mais a fundo, acabei topando com um texto interessante da Letícia de Castro, onde ela dizia o seguinte:

Nosso folclore está morrendo, as fábulas e contos que nos levavam para o mundo imaginário através da literatura ou de estórias contadas no intuito de um universo de aprendizado interior. A magia dos contos foi se consumindo ao longo dos tempos e em casa os pais já não contam lendas como, por exemplo, a do saci Pererê, Iara, Corpo-seco, Boitatá entre outras inúmeras lendas folclóricas. Em muitas cidades ainda persistem tais contos como um fator cultural e importantíssimo na riqueza de nosso país, hoje devastado por culturas tecnológicas, entre tantas que se reduzem à modernidade de um mundo consumista e não mais com o brilho da leitura ou de estórias contadas pelos pais ou avós.



A Letícia está certa. Sinto isto no dia-a-dia, as pessoas mais jovens que eu — vá lá, a geração que hoje está com 20 anos, ou menos — não conhece boa parte da nossa cultura.

Saci? Conhecem porque hoje algumas crianças ainda assistem Sítio do Pica-Pau Amarelo. Curupira? Boitatá? Mãe-D’Água? Mais do que lendas, hoje são estórias perdidas no meio de várias outras. Parte disto é culpa da internet, que nos coloca em contato com a cultura do mundo todo a um clique. E veja bem, essa culpa não é algo necessariamente ruim.

Por isso, antes de querer dissecar as lendas brasileiras, buscar suas origens de forma mais detalhada (muitas lendas vieram com os colonizadores europeus e os escravos africanos), vamos citar aqui cinco lendas que, na minha época de moleque, davam aquele frio na espinha, seja pela estória sombria, ou pelo inusitado da coisa.

Saci-Pererê

O Saci é representado por um garoto negro com apenas uma perna. Sempre está com um cachimbo na boca, chamado de “pito”, e usa um gorro vermelho que, dependendo do local onde a lenda é contada, pode ser o responsável pelos poderes do Saci — ele pode ficar invisível ou se esconder no meio de um redemoinho de vento.

Nas casas e fazendas do interior, é creditado ao Saci tudo de errado que acontece, desde o fogo que se apaga no fogão à lenha, até os objetos que desaparecem ou trocam de lugar.

Chegado numa travessura, o Saci também é acusado de afugentar os animais e fazer tranças nas crinas dos cavalos à noite, que são impossíveis de serem desfeitas, forçando o dono do animal a cortar a crina.

Vindo das tradições africanas, o Saci teria perdido sua perna jogando capoeira. Em alguns lugares a lenda diz que os sacis nascem do gomo do bambu, onde são gerados por 7 anos. Após nascer, o Saci vive por 77 anos atormentando os homens.

Mula-sem-cabeça

Calma, não precisa se assustar, não estamos falando do Biruleibe...

Também chamada de “Mulher de Padre”, “Mula de Padre”, “Mula Preta”, entre outros nomes, a Mula sem Cabeça teve sua origem como uma lenda católica. A “mula” seria simplesmente uma mulher que havia se apaixonado por um padre e, por causa disso, se transformou neste “monstro”, cuja cabeça é cortada e no lugar há uma labareda de fogo (em algumas versões, o rabo da mula também é de fogo).

A versão que eu ouvia quando garoto era que a mula na verdade era um padre que, apaixonado por uma mulher, seria amaldiçoado virando a mula durante a lua cheia - ou seja, praticamente o inverso do que eu escrevi acima. E a mula corria de forma ininterrupta durante o tempo em que a lua estivesse no céu, pouco se importando com o que, ou quem estivesse na frente.

Diferenças de narrativa à parte, uma forma de desfazer a maldição é retirando, com uma agulha virgem, pelo menos uma gota de sangue da mula. Mas como a mula não para de correr…

É interessante notar como certas lenda são criadas para servir como proibições, assim como no caso da manga e do leite — que servia para manter os escravos longe do leite da fazenda, ou das plantações de manga — a lenda da mula servia como proibição às mulheres, que deveriam ver os padres como homens intocáveis, pois o amor e o desejo por um homem santo seria punido com uma maldição.

Curupira

O Curupira parece um pequeno demônio, mas na verdade é um grande protetor das florestas. Normalmente retratado como um garoto que tem os pés virados para trás — com a intenção de confundir os caçadores — o Curupira é uma lenda tipicamente nativa do Brasil.

Os índios brasileiros costumavam colocar a culpa do insucesso nas caçadas na ação do Curupira, que ajudaria os animais a fugir, desorientando o caçador. Outras versões dizem que o Curupira só deixa o homem tirar da mata aquilo que é estritamente necessário para sua sobrevivência, punindo os excessos.

E quando o homem branco veio explorar nossas florestas, a lenda do Curupira ganhou mais vida, pois nesta época começou a caça desordenada e o desmatamento provocado pelas primeiras grandes plantações no país. O Curupira geralmente era culpado por desorientar aquele que entrasse na mata com intenção de causar algum mal.

O Curupira normalmente é confundido com o Caipora, outro personagem com características quase idênticas… a diferença é que o Caipora tem os pés normais.

Boitata

O Boitata ou “mboitata” é uma grande cobra que solta fogo pela boca e, em alguns locais, também é considerada uma cobra de fogo.

Em tupi, mboi significa cobra e tata, fogo.

A lenda foi citada pela primeira vez em um texto do padre José de Anchieta em 1560, como uma entidade protetora das florestas contra os incêndios. “Mas como assim, se ela é uma cobra de fogo? Ela deveria colocar fogo na floresta!

Aí é que tá, gafanhoto, o fogo do Boitata é mágico, só queima quem tenta incendiar a mata, e não apaga quando a cobra vai para dentro d’água!

No fundo, a lenda é a explicação dos nativos brasileiros para os incêndios espontâneos que aconteciam nas matas, tanto que no nordeste o Boitata também é conhecido como “fogo corredor”.

Mapinguari

O Mapinguari é um monstro amazônico, muito comum nas lendas do Acre, Amazonas e Pará.

Alguns relatos dizem que o monstro tem um olho só na cara e uma boca gigante na barriga, enquanto outros falam que o bicho tem um olho na barriga (ao invés da boca), ou uma boca na vertical.

O fato é que o Mapinguari é bem assustador, concordam? Ele tem o costume de caçar as pessoas que se embrenham nas florestas, atacando qualquer um que passe pelo seu caminho.

Diferente das outras lendas, o Mapinguari é mal, não está preocupado em proteger a floresta, sua intenção é matar e se alimentar.

Quando eu pesquisei melhor sobre esta lenda, algumas imagens do Mapinguari lembram, de longe, a preguiça-gigante e o megatério, dois animais que viveram onde hoje é o território brasileiro, durante a pré-história, e podem ter influenciado estas lendas.

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E vocês, o que acharam da lista? Deixei de fora a Mãe D’Água, o Boto, a Cuca, o Negrinho do Pastoreio e o Lobisomem, só para ficar em alguns exemplos que poderiam ter entrado neste texto.

Conhecem alguma lenda que não está nesta lista? Conhece alguma particularidade destas lendas que ficou de fora da descrição? Conte aí nos comentários!

Ah, apenas como crédito, a imagem que abre o texto é obra do GaboMelo.

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