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Escola de Sagres: Lenda ou Realidade?


Quando falamos dos grandes descobrimentos marítimos europeus do início da Idade Moderna, alguém sempre cita a Escola de Sagres, instituição que teria sido fundada pelo infante d. Henrique ainda no século XV e que foi a principal responsável pelo sucesso português nas navegações e descobrimentos da época.

Mas a escola realmente existiu?



Lenda ou Realidade?

Em 1443 o infante d. Henrique pediu a seu irmão, d. Pedro — que era o regente português na época (e por favor não confundam com o d. Pedro que foi imperador do Brasil alguns séculos depois) — a permissão para fundar uma vila na região de Sagres.

Na época Sagres era uma área inóspita, pouco povoada, mas sua localização geográfica era (e ainda é) perfeita para a instalação de um porto, pois fica bem ao sul de Portugal e de cara para o Atlântico.

D. Henrique realmente fundou a vila, mas não existe qualquer menção a uma “escola náutica” no local.

O que existe é a intenção do infante, explícita em uma carta de 1460, em fazer com que a vila seja reconhecida como um ponto de assistência aos navegadores que por ali estivessem de passagem e/ou necessitando de mantimentos ou de abrigo até que as condições de navegação estivessem melhores.

No local também foi construída a fortaleza de Sagres, que devido à sua posição estratégica, deveria também funcionar como defesa do local.

Fortaleza de Sagres. Não é porque existe uma fortaleza que vai existir uma escola…


A lenda de Sagres enquanto escola náutica que reunia dezenas de especialistas e formava grandes navegadores cresceu na mesma proporção em que os descobrimentos portugueses tornavam-se cada vez mais fantásticos e importantes para o enriquecimento de Portugal.

Ou seja: Sagres só foi reconhecida como uma importante escola náutica algumas décadas, ou séculos depois que d. Henrique já havia falecido. Isto fica provado nos escritos de seus contemporâneos, que só citam a construção ou a existência da vila em Sagres, sem citar a escola, enquanto a existência da escola é citada por escritores dos séculos XVI e XVII, que certamente não viveram na mesma época que d. Henrique.

Já a partir dos séculos XVIII e XIX a historiografia portuguesa começou a contestar a existência da escola, como disse Ayres de Sá em seu livro “Frei Gonçalo Velho”:

Não consta a fundação de um observatório e escola em Sagres ou em qualquer outra parte. Não existe o mínimo sinal de antigo edifício desse gênero. Finalmente seria para espantar que uma tão importante inovação passasse despercebida aos próprios biógrafos do infante, seus contemporâneos, e que os sábios estrangeiros fossem, por tal forma, desprezados que nem se lhes sabe os nomes[1]


Mesmo contestada, a lenda continuou crescendo entre escritores que consideravam a escola como principal responsável pela expansão marítima portuguesa.

Realidade ou lenda?

Existiu em Lagos, também ao sul de Portugal, uma espécie de escola que, após décadas de explorações marítimas, acabou reunindo informações náuticas importantes para a expansão portuguesa. De lá saíram os principais navegadores que iniciaram a circunavegação do continente africano e ali as informações relativas aos problemas náuticos que surgiam com as viagens eram apresentados, assim como as soluções encontradas pelos mesmos navegadores ou por outros que acabavam por topar com o mesmo problema.

Certamente em Lagos nós também tivemos outras importantes trocas de informações. Mapas, anotações sobre o clima dos locais descobertos, a posição das estrelas, as marés etc…

Talvez Sagres tenha recebido os louros de toda esta informação que era compartilhada em Lagos, onde realmente houve um movimento que contribuiu para as navegações portuguesas.

Mas talvez não tenha sido exatamente assim. Segundo alguns historiadores, Sagres foi uma empreitada templária em Portugal. Quando d. Henrique conquistou Ceuta em agosto de 1415, apoiado por uma esquadra de 200 navios, ele foi nomeado pelo Papa Martinho V como “Príncipe Ecumênico e Administrador Apostólico” da Ordem Militar da Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou simplesmente a Ordem de Cristo.



Esta seria herdeira da Ordem dos Templários, extinta em 1312 pela própria Santa Sé. Os rendimentos da Ordem de Cristo teriam ficado à disposição de d. Henrique por decreto do próprio papa, para que as riquezas fossem usadas para financiar novas navegações em nome de Portugal e da Igreja Católica.

Seria inocência nossa imaginar que em uma vila que tinha como principal objetivo auxiliar navegadores — e até mesmo reuni-los, dependendo da ocasião e do tempo (des)favorável — não teve em suas estalagens, casas e vielas, em algum momento, alguns navegadores reunidos trocando informações sobre suas viagens, como faziam em Lagos.

Talvez daí venha a lenda de Sagres como uma “escola”, pois a troca de conhecimento não é a primeira função de uma instituição de ensino?

Sagres pode ter sido romanceada por escritores portugueses através dos séculos e sofrido com o exagero da narrativa, mas certamente há um pouco de verdade em toda esta história.

Nós, historiadores, lidamos com fatos e provas materiais, além de reconhecer e analisar as tradições orais. Não existe hoje, nem na região sequer nos registros históricos portugueses, menções à escola feitas por contemporâneos de d. Henrique, muito menos provas materiais no local — uma construção ou ruína que seja — que comprove a existência de Sagres enquanto escola náutica.

Sendo assim, nós não podemos considerar a Escola de Sagres como uma verdade histórica absoluta. Ela faz parte das lendas portuguesas e assim será até que alguém prove ao contrário.

Fontes

[1] "A Escola de Sagres realmente existiu?", artigo de Luciana Taddeo para a revista Aventuras da História.

- “Escola de Sagres”, texto de Luísa Gama para o Instituto Camões (leiam este texto, ele é muito interessante!).

Os dois links foram verificados dia 12/05/2020.

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