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Saladino, exemplo de tolerância(?)


Nascido na cidade de Tikrit, no atual Iraque, em 1137, Ṣalāḥ ad-Dīn Yūsuf ibn Ayyūb — mais conhecido no ocidente como Saladino — foi o principal sultão de sua época.

De origem curda e adepto do islamismo sunita, Saladino é reconhecido até hoje pelas suas batalhas contra os Cruzados. Crueldade com os inimigos vencidos? Nem tanto! Além de conquistar territórios e o respeito de seus súditos, Saladino também conquistou a admiração de seus adversários cristãos.


Quando jovem, Saladino era audacioso e astuto

Saladino teve como principais tutores seu pai e seu tio. Enquanto aprendia com o pai, Najm ad-Dim, a usar a inteligência para vencer batalhas e dominar os exércitos inimigos com o menor esforço possível, seu tio, Xirkuh, ensinava-o a cavalgar e lutar com a espada.

Só que em uma família onde ele era o terceiro irmão, não era de se esperar que ele fosse ocupar algum posto muito importante na sucessão do pai. No máximo, iria ocupar um cargo de confiança ao lado do irmão mais velho.

Enquanto vivia em Damasco com seus familiares, Saladino teve contato com relatos das barbaridades cometidas pelos Cruzados na tomada de Jerusalém. Como em toda História, os vencidos contavam as maldades cometidas pelos vencedores para provocar comoção. Os reis europeus vencidos na Terra Santa também voltavam para a Europa carregados de histórias horripilantes sobre os infiéis islâmicos.

Na década de 1160 teve início o principal fato que levou Saladino ao sultanato no Egito. Seu irmão mais velho morreu em uma batalha e seu pai não desejava ver o filho do meio liderando sequer uma tropa, pois o considerava desleixado e teimoso para cumprir com sua liderança. Saladino ganhou especial atenção do pai e rumou com o tio para o Egito, onde se destacou nas campanhas militares empreendidas para restaurar a normalidade do local.

Depois da vitória — havia, na época, uma rixa entre sunitas e xiitas que estava atrapalhando não só o Egito mas também outros sultanatos do Oriente Médio — Saladino foi nomeado vizir e entre 1164 e 1174 ajudou o sultão local, Atabeg de Mosul — que era da dinastia abássida — a acabar com os focos de revolta. Com a morte de Mosul em 1175, Saladino tornou-se sultão do Egito.

Saladino manteve a estrutura administrativa anterior, mas ao contrário de seus antecessores, procurou sempre transformar os impostos pagos pelo povo em melhorias para o próprio povo. Instalou escolas para ensinar o Corão, pagava bem seus soldados e distribuía comida quando as colheitas eram pequenas e não atendiam a toda a população.

Entre 1174 e 1187 também lutou pela unificação da Síria, da Palestina e da Mesopotâmia, entrando em rota de colisão com os Cruzados e também, por alguns momentos, com o sultão de Damasco na época, Nur ad-Din.

A luta por Jerusalém e a unificação de grande parte do Oriente Médio sob o comando de Saladino

Vocês que estão lendo o texto, uma pergunta rápida: ao dar uma olhada no noticiário recente, vocês acham que o Oriente Médio é uma região conturbada? (engraçado, este texto foi escrito em 2011 e esta frase continua atual!)

Pois vou contar um segredo, que eu acho que todo mundo já sabe: a confusão no Oriente Médio não começou ontem, nem depois que a ONU instalou o estado de Israel na Palestina, no fim da Segunda Guerra Mundial. A região é conturbada desde os primórdios da História, e vamos tentar entender como estava a área na época que viveu Saladino.

“A destruição do Templo de Jerusalém”, do pintor Francesco Hayes. Brigas internas e lutas contra povos invasores sempre foi uma constante na região…


A região já não era mais ocupada pelos romanos desde o século IV, mas no século VII uma nova religião nasceu nas proximidades: o islamismo. E a expansão islâmica fez todo o Oriente Médio ser controlado pelos muçulmanos. E os povos que viviam ali até conseguiam manter uma relativa paz com os atuais líderes.

Mas aí os cristãos, vindos da Europa a partir dos séculos X e XI reclamaram a posse da terra, pois segundo a Bíblia a mesma seria sagrada, “a terra onde viveu Jesus Cristo” e tinha que ficar livre dos infiéis.

As Cruzadas, convocadas pela Igreja Católica, aumentaram a sensação de que a região vivia em perpétuo tumulto. Numa época vinha uma ordem de cavaleiros e tomava uma região e ali instalava um reino; anos (ou meses) depois vinham os muçulmanos lutar para retomar o lugar. Venciam e expulsavam os católicos, aí os europeus mandavam uma nova expedição militar para tentar expulsar os muçulmanos, e o ciclo parecia infinito.

Saladino, além destes problemas, teve que lidar com as já citadas rixas entre sunitas e xiitas, duas vertentes da fé islâmica. Em alguns sultanatos as disputas eram tão acirradas que os cristãos estavam utilizando estas rixas para levar vantagem nas batalhas e, em alguns casos, tomar posse de determinadas regiões com o consentimento de um dos lados em disputa.



Saladino já havia unificado o Egito e se preparava para invadir Jerusalém, mas entre 1170 e 1172 teve que recuar e desistir da invasão por duas vezes, seguindo ordens de Nur ad-Din. Mas quando ad-Din morreu em 1174, Saladino marchou sobre Damasco e reivindicou o controle sobre a região da Síria, casando-se com a viúva de Nur ad-Din. A população recebeu Saladino de braços abertos, já que seus feitos no Egito ficaram famosos.

Com quase toda a região unificada, faltava Jerusalém, que foi tomada em julho de 1187, após a Batalha de Hattin. Antes desta batalha Saladino já havia lutado contra os Cruzados em outras oportunidade e na maioria das vezes tinha saído vencedor.

Esta batalha em especial deu muita moral para Saladino e seus exércitos. As forças cristãs comandadas por Guy de Lusignan, Raimundo III de Trípoli e Reinaldo de Chatillon foram praticamente dizimadas pelos muçulmanos. Ao marchar para conquistar de vez a cidade de Jerusalém, em outubro do mesmo ano, Saladino teve que mudar seus planos iniciais.

Quando cercou a cidade, a vontade de Saladino era de não ceder anistia aos cristãos que viviam em Jerusalém. Mas Balian de Ibelin, um cavaleiro feito defensor da cidade após a queda de Guy de Lusignan na Batalha de Hattin, conseguiu negociar um trégua com Saladino. Ele ameaçou destruir todas as mesquitas e locais sagrados e matar todos os muçulmanos que viviam na cidade.

Saladino acabou cedendo, mas os cristãos deveriam pagar uma espécie de resgate para sair da cidade; assim, os que não conseguissem pagar virariam escravos. Saladino acabou liberando muitas pessoas que não tinham como pagar o resgate, e até mesmo as chaves da cidade foram entregues a Saladino por Balian de forma pacífica — mas antes da trégua estabelecida houve luta nas muralhas da cidade, ok? Não se esqueçam disso.

“Todos são semelhantes aos olhos de Alah, amigos ou inimigos.” — Saladino


Saladino recebe Guy de Lusignan e os Cruzados vencidos após a Batalha de Hattin.


Saladino também atendeu a uma das reivindicações de Balian: deixou Jerusalém e os caminhos que levavam à cidade livres para os cristãos que desejassem peregrinar até lá. Costurando este acordo, Saladino acabou permitindo que os comerciantes que viviam em Jerusalém tivessem mais lucro com os turistas que visitavam o local.

Mas mesmo com os acordos de paz costurados por Saladino e Balian, a tomada de Jerusalém acabou incitando, na Europa, a Terceira Cruzada, liderada pelo rei Ricardo I, — o famoso Ricardo Coração de Leão. Só que os fatos da Terceira Cruzada serão relatados em outro texto, ok? Aguardem.

Quanto a Saladino, conta a lenda que ele morreu sultão, líder, amado pelo povo que o cercava e pobre — sim, pobre, pois teria doado todo seu tesouro antes de morrer — no ano de 1193. Sua tumba está em Damasco, na Mesquita de Umayyad.

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