Pular para o conteúdo principal

Pombos de Guerra


A comunicação entre tropas no campo de batalha e seus superiores nos quartéis e nas bases é tão importante quanto a munição que os soldados carregam, entre outros suprimentos de guerra. Saber onde atacar com artilharia pesada e, principalmente, saber onde NÃO atacar, evitando o fogo amigo, é fundamental.

Mesmo hoje em dia, com a comunicação facilitada por satélites, rádios cada vez mais potentes e o GPS, de vez em quando um grupo de soldados acaba sofrendo por alguma falha de comunicação. Ou então são os civis que sofrem com o “erro de mira” dos combatentes.

Imaginem então como era a situação das tropas na Primeira Guerra Mundial, quando os rádios ainda não estavam lá muito desenvolvidos e os telefones no campo de batalha podiam sofrer cortes nas linhas — sim, o inimigo pegava um alicate e literalmente cortava a comunicação.



Só de imaginar uma linha telefônica sendo puxada no campo de batalha de acordo com o avanço ou recuo das tropas já é uma ideia bem esquisita, concordam? E o telégrafo, apesar de ser o meio de comunicação mais eficiente e rápido da época, não ajudava na mobilidade dos soldados e também podia ter suas linhas cortadas.

O jeito era apelar para métodos antigos, porém eficientes para manter o mínimo de informações operacionais circulando entre as tropas e seus superiores. E um dos métodos mais utilizados era o bom e velho pombo-correio. E este era um trabalho para uma classe especial de soldados…

Os Signal Corps

Existe uma divisão de soldados do exército dos EUA que é responsável apenas pela comunicação das tropas: os Army Signal Corps.

Eles são considerados como uma das primeiras classes de soldados das forças armadas norte-americanas, nascidos ainda na época da independência dos EUA. E na época da Primeira Guerra Mundial eles operavam com o que existia de eficiente e o que estava à mão.

O método bidirecional de comunicação via rádio ainda não existia, então eles usavam o telefone, o telégrafo, as canelas — não era raro o soldado correr um bom trecho por dia levando e trazendo informação — e os pombos-correio, que durante a Primeira Guerra foram doados por criadores britânicos aos exércitos da Grã-Bretanha, EUA e França.

Aos soldados ficou a missão de treinar estes animais para não errar o caminho na hora de entregar uma mensagem, já que os pombos estavam acostumados a entregar recados na Grã-Bretanha, não na região da fronteira entre França e Alemanha, onde aconteceu a maior parte da guerra.

E não se assustem: vários pombos salvaram centenas de vidas durante o conflito. Mas um em especial merece a nossa atenção:

Cher Ami, o pombo herói

Cher Ami em francês quer dizer “querido amigo”.

Este pombo voou o total de 12 missões levando informações fundamentais para o apoio das tropas entrincheiradas no campo de batalha. Mas a missão mais importante do pombo certamente aconteceu dia 4 de outubro de 1918.

Dias antes o major Charles Whittlesey, liderando a 77ª Divisão, furou uma parte da linha alemã em Verdun, mas a outra divisão norte-americana e a divisão francesa que deveriam furar suas linhas nos flancos à direita e à esquerda não acompanharam o movimento ordenado pelo comando da missão.

Whittlesey e cerca de 500 homens acabaram cercados pelos alemães. Sabendo que a ajuda demoraria a chegar e com soldados inimigos cada vez mais próximos, os superiores de Whittlesey ordenaram um bombardeio onde, esperava-se, estariam os soldados alemães.

Não se sabe ao certo se o cálculo dos tiros estava errado ou os norte-americanos estavam além da posição. A verdade é que as bombas que deveriam cair do lado alemão começaram a cair em cima dos soldados norte-americanos.

E é aí que entra o feito heroico de Cher Ami.

As comunicações estavam cortadas. Mandar algum soldado de volta para a base era uma tarefa impensável no momento — ou os soldados estavam se perdendo no caminho ou eram mortos pelo alemães, pois Whittlesey não recebia resposta quando mandava alguém — então o jeito foi mandar um bilhete pelo único pombo-correio que restava, já que os outros foram abatidos pelos soldados alemães assim que levantaram voo nos dias anteriores.

AVOA, piu-piu!!!

E não pensem que Cher Ami voou em um “céu de brigadeiro”. Ele foi alvejado assim que iniciou seu voo e, segundo relatos, mesmo sob vários tiros, não foi alvejado mortalmente, chegou no QG e conseguiu entregar a mensagem de Whittlesey, que dizia:

“We are along the road parallel to 276.4.
Our own artillery is dropping a barrage directly on us.
For heaven’s sake, stop it.”


Mesmo ferido, o pombo completou sua missão. Ao chegar no quartel com a mensagem, Cher Ami acabou salvando 194 soldados norte-americanos que ainda estavam vivos e deu-lhes a oportunidade de continuar lutando contra os alemães naquela posição em Verdun.

A guerra acabaria em poucas semanas e os franceses, quando souberam do feito do pombo, condecoraram o animal com a Cruz de Guerra — uma das maiores honrarias do país — pelo feito heroico.

Mesmo muito ferido, cego de um olho e sem uma das patas, os médicos do front conseguiram manter o pombo vivo. Quando teve condições de viajar, Cher Ami foi levado aos EUA, onde foi recebido como herói pelos militares norte-americanos. Não, esta parte não é brincadeira. Se sua vida dependesse de uma mensagem agarrada em uma perna de um pombo, você certamente faria o mesmo.

Cher Ami viveu como mascote da 77ª Divisão até junho de 1919 em Fort Monmouth, New Jersey, quando faleceu. E hoje ele desfruta da “imortalidade” no Museu de História Natural Smithsonian, nos EUA.


Mas a Primeira Guerra não envolveu apenas estes animais. É óbvio associar, até mesmo pela época em que aconteceu, o uso da cavalaria nas batalhas. Mas também tivemos cães servindo nas trincheiras, entregando mensagens ou auxiliando médicos. Os próprios pombos também eram usados para tirar fotografias aéreas, já que os precários aviões da época já chamavam atenção da artilharia.

Como o carro ainda tinha um uso muito precário, assim como a maioria das estradas, muitos animais também foram utilizados para puxar carroças, carregando feridos, equipamentos, armas e alimentos.

Peguei estas fotos abaixo neste site, mas só recomendo a visita se você não tem problema em ver fotos de animais mortos — afinal, estamos falando de uma guerra — ok?

E fiquem tranquilos, as fotos abaixo não trazem nenhum animal morto…


Notas:

Assistam o filme “O Último Batalhão”, que conta exatamente esta história da 77ª Divisão. O Cher Ami é coadjuvante, mas o filme vale a pipoca!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As Capitanias Hereditárias

Assunto recorrente nas aulas de História do Brasil, as Capitanias representaram a primeira divisão de terras ocorrida na colônia, e foi executada pela Coroa portuguesa em 1534. O território foi dividido em 14 grandes lotes, em faixas que iam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, e f oram entregues a 12 Capitães Donatários , pessoas que faziam parte da pequena nobreza de Portugal. Os motivos para a Coroa portuguesa implantar o sistema de capitanias foram os seguintes: — Dificuldade em defender o território; — Decadência do comércio português nas Índias; — Falta de recursos lusos; — Promover uma colonização mais dinâmica. Podemos dizer que o modelo de divisão das capitanias era muito parecido com o sistema feudal. Mas, ao contrário do feudalismo — onde o poder muitas vezes estava bem fragmentado — as Capitanias respondiam a um poder central e absoluto, exercido pela Coroa portuguesa, que nomeava juízes que, por sua vez, fiscalizavam os capitães donatários. Os capit...

Os Hindus

Crianças vestidas para o Festival Ram Navami [foto: Dibyangshu Sarkar/AFP —  fonte ] A origem de um dos povos mais importantes da Ásia remonta de meados do segundo milênio antes de Cristo, quando os dravidas iniciaram a ocupação da região da Índia conhecida como Pendjab — ou Punjab, a “ região dos cinco rios ” —, próximo ao rio Indo e, assim como os harappeanos, que viviam no Paquistão, alcançaram um relativo desenvolvimento a partir do domínio das técnicas de construção de canais de irrigação e consequente controle das cheias dos rios da região. O termo “hindu” é antigo e tem origem persa, que significa “ o (povo) que vive do outro lado do rio (Indo) ”. As cidades dravidas tinham ruas largas e casas de pedras que contavam com saneamento, além de grandes espaços voltados para a plantação. Eles também tinham um forte comércio com os povos vizinhos. Mas por volta do século XVIII a.C. os arianos invadiram a região dos cinco rios, escravizaram o povo dravida e a partir desta invasão muit...

Fenícios: os maiores navegadores da Antiguidade

Conhecidos como “ os maiores navegadores da Antiguidade ”, os fenícios estabeleceram o primeiro império marítimo da História, ao fundar diversas colônias e cidades-estado por todo o mar Mediterrâneo. Originários do Levante — a região litorânea atualmente dividida por Síria, Israel e Líbano — os fenícios se estabeleceram na região por volta de 3000 a.C., mantendo uma relativa organização social, primeiro em pequenas aldeias, que foram evoluindo para cidades mais complexas ao longo dos séculos. Mas, segundo alguns achados arqueológicos, apenas após os séculos XII e XI a.C. é que o povo conquistou uma importância maior na região, principalmente após a invasão dos povos do mar na região da cidade de Biblos. Quando falamos em “unidade fenícia” no sentido de considerá-los um povo unido em torno de um território, um Estado, mesmo que fragmentado, devemos tomar cuidado. Apesar da organização social e política das cidades serem bem parecidas e do povo fenício ter uma importância significat...