A Queda do Muro de Berlim


1945, fim da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha derrotada está ocupada pelos Aliados. De um lado a União Soviética, os verdadeiros resistentes à ocupação nazista. Foram eles que lutaram bravamente às portas de Moscou, defenderam com a vida Leningrado e Stalingrado; e ao vencer estas batalhas, enfraqueceram sobremaneira o exército alemão.

De outro lado, EUA, Inglaterra e França, que organizaram o Dia D e a mega invasão dos Aliados pelo oeste da Europa. Em comum, o interesse em dividir a Alemanha em “áreas de influência”, e a necessidade de impedir que uma nova liderança como a de Hitler tomasse a frente na política local.


A Alemanha foi dividida em dois países, a República Democrática Alemã (RDA), conhecida como Alemanha Oriental, de regime socialista, e a República Federal Alemã (RFA), ou Alemanha Ocidental, de regime capitalista.

A capital, Berlim, que fica do lado oriental, também foi dividida (como mostra o mapa acima). Só que o muro não começou a ser construído logo após os acordos diplomáticos que permitiram a divisão, mas sim em 13 de agosto de 1961, 16 anos após o fim da guerra.



Walter Ulbricht, homem forte do Partido Comunista Alemão e Chefe de Estado da RDA, que dois meses antes havia desmentido, em uma entrevista, a construção de um muro separando Berlim, emitiu a ordem para iniciar a construção.

Na madrugada do dia 13 começou a chamada “Operação Muralha da China”: trens foram parados antes da fronteira, rodovias foram ocupadas pelos militares e os soldados da RDA iniciaram a construção do muro, impedindo o tráfego de milhares de alemães de ambos os lados. Qual o motivo? Apesar da travessia ser permitida a todos os alemães desde a divisão do país, havia um êxodo considerável para o lado ocidental.

O lado capitalista observou de longe, protestou de forma tímida através de alguns dos líderes políticos da época, mas não fez mais que isso. Nenhuma solução armada foi elaborada ou minimamente pensada para a questão, até porque estávamos na Guerra Fria. Qualquer ordem agressiva contra um dos lados teria resposta agressiva e imediata do outro lado.

Construção do muro, ainda em 1961.

O muro que separou vidas

Ao todo, em 16 anos de divisão, a RDA contabilizava cerca de 2 milhões de alemães que simplesmente foram para o lado ocidental e não voltaram. Havia sim um êxodo dos descontentes com o regime socialista, e a construção do muro veio para sanar este problema.

Postos de segurança foram montados em pontos estratégicos e as pessoas que tentavam atravessar o muro para o lado ocidental acabavam feridas, presas ou mortas. Ao todo morreram 80 pessoas, 112 ficaram feridas e milhares foram aprisionadas na tentativa vã de atravessar para o lado ocidental.

O muro de arame farpado e concreto não separou apenas geograficamente os dois países e a capital. Famílias foram separadas e nunca mais tiveram contato. Amantes, amigos, colegas de trabalho nunca mais se encontraram. Os alemães orientais perderam o direito de ter passaporte. Como a passagem era liberada antes da construção do muro, era normal a pessoa morar em um lado e o trabalhar no outro, famílias moravam na capital e nas regiões fronteiriças, mas tinham parentes dos dois lados. Todos foram separados. As conexões telefônicas entre os dois lados da cidade já estavam suspensas desde 1952, e foram retomadas apenas em 1971.

Era a materialização européia da Guerra Fria, da Cortina de Ferro imposta pela URSS, pois além do muro em Berlim, o socialismo fechava suas portas para o ocidente. A fronteira da RDA com a RFA foi fechada; a Hungria e a Tchecoslováquia foram obrigadas pelo Pacto de Varsóvia a patrulhar suas fronteiras, cercando com arame farpado e construindo postos de controle, a fim de evitar a fuga do lado oriental.

A queda do muro e de todo o regime socialista

Existia uma quantidade considerável de diferenças entre o lado capitalista e o lado socialista, não só de natureza econômica, mas também ideológica, que acabava sendo usado para legitimar o Estado socialista. O socialismo, de uma forma bem simples, pregava a divisão igual do capital obtido com o trabalho para todos, mas na prática não era isso que acontecia.

Além das necessidades e das dificuldades financeiras, os moradores do bloco socialista lutavam contra o policiamento sistemático dos serviços militares em todo o bloco. Havia um ar pegajoso que impregnava Berlim Oriental e todo o bloco socialista. A polícia secreta estava infiltrada em todos os lugares e podia levar para a prisão qualquer morador que tentasse disseminar ideias anti-comunistas.

Por isso o muro ao longo do tempo virou um símbolo, não só da Guerra Fria e da bipolaridade da época, mas era também a expressão da pior característica do comunismo stalinizado, o comunismo temido, que proíbe a livre expressão e, no caso do muro, o livre ir-e-vir de seu próprio povo.

Na Guerra Fria não havia apenas a corrida espacial, armamentista e econômica. Existia também uma queda de braço para ver quem desistiria de seu regime econômico primeiro. É fácil dar os louros da vitória aos americanos, como fez a chanceler alemã, Angela Merkel, em um discurso proferido no Congresso americano em 2009, mas o que muitos não sabem é que o muro ruiu de dentro para fora.

Mikhail Gorbachev e o fim da Doutrina Brejnev

Nem só de glasnost [transparência] e perestroika [reestruturação] viveu o governo de Gorbachev. As duas medidas políticas adotadas pelo homem forte da URSS desde 1985, quando chegou ao poder, diziam respeito mais à política interna da URSS do que ao bloco comunista.

Além do Pacto de Varsóvia, havia ainda a Doutrina Brejnev, que regulava o bloco comunista, orientando a atuação de todos os Partidos Comunistas dos países do bloco.

Em 1988, ao anunciar que a URSS abandonaria esta doutrina, Gorbachev dava sinal verde para que o Partido Comunista de cada país controlasse a política de forma independente, sem qualquer intromissão do Partido Comunista soviético.

Gorbachev já conseguia visualizar o colapso do regime comunista, o descontentamento de alguns (poucos) líderes políticos e de uma grande parte da população. Por seu discurso "libertador" — mesmo que essa palavra soe forte demais vamos mante-la aí entre aspas — era aclamado pelo povo, que sabia que os regimes comunistas eram sustentados pela força do Estado Policial.

Gorbachev acalmou o ânimo dos governantes capitalistas e não interferiu nas mudanças propostas pelos líderes do bloco, como os líderes húngaros Karoly Grosz e Miklos Nemeth, que abriram a primeira brecha na “cortina de ferro” em 19 de agosto de 1989, organizando um piquenique às bordas da fronteira. Sim, você não está lendo errado, foi um piquenique, que reuniu húngaros, alemães orientais, ocidentais e austríacos, e que contou com a fuga de cerca de 600 alemães orientais para o “outro lado”.

Na verdade nem podemos considerar como uma “fuga”, já que a fronteira foi aberta horas depois. Mas fica o registro.

Ok, não tem foto do pessoal comendo no piquenique, mas tem do pessoal “fugindo” para o outro lado…

A fuga em massa e o desejo popular pela queda

A tal da “fuga” continuou nos meses seguintes e milhares de alemães orientais passavam pela fronteira húngara sem sequer serem importunados pelos soldados. Oficiais da Alemanha Ocidental ajudavam na obtenção de registro e guiavam as famílias, arrumavam emprego, comida e moradia.

A coisa estava tão descarada que a Alemanha Oriental ficou às moscas. O êxodo de trabalhadores deixou o país sem muitos padeiros, pedreiros, médicos, pintores, enfermeiros, funcionários da administração pública, professores, camponeses. Pessoas saíam do trabalho para casa e não apareciam no outro dia para trabalhar. Os recursos já eram escassos, agora os comunistas estavam perdendo a mão-de-obra que movia o país.

Havia uma tensão crescente não só na Alemanha Oriental, mas também em outros países e de diversas formas. Na Polônia o Partido Solidariedade, que surgiu na década de 1980 como oposição aos comunistas e que foi caçado pela Lei Marcial, foi chamado para sentar na mesma mesa que os comunistas para tratar do futuro da política do país. Na eleição democrática proposta pelo Partido Comunista, o Solidariedade venceu com sobras. Nenhum comunista ganhou o direito a exercer cargos significativos no governo eleito pelo povo.

Na Tchecoslováquia o ator e escritor Václav Havel liderava a Revolução de Veludo, uma linda manifestação pública que durou dias e fez os comunistas tchecos praticamente desistirem de manter o regime de partido único e convocar eleições diretas.

Mas nem tudo eram flores. Na Romênia, Nicolae Ceausescu teve que ser deposto após a queda do muro de Berlim. Ele e sua esposa foram capturados, julgados em um tribunal clandestino e a pena foi o fuzilamento.

Na Alemanha Oriental, em 9 de novembro de 1989, Günter Schabowski, em sua habitual entrevista coletiva, quando costumava passar aos jornalistas as últimas medidas tomadas pelo Partido Comunista da RDA, informou uma decisão do conselho de ministros em abolir as restrições de viagens para o oeste e autorizou os alemães orientais a ter novamente um passaporte válido. As reações foram imediatas. Parte dos repórteres correram para fora da sala e nas ruas, no fim de tarde, a população já rumava para os postos de controle.

À noite, milhares de pessoas aguardavam a abertura dos portões.

Portão de Brandenburgo, na noite da queda do muro. Segundo Gorbachev, a URSS não poderia fazer nada para impedir a queda do muro, sob pena de provocar a Terceira Guerra Mundial.


Logo ficou tarde demais. Do lado ocidental do posto de controle Charlie, dezenas de milhares de berlinenses reuniram-se: ‘Venham! Venham’, gritavam. ‘Estamos tentando’, gritavam de volta os berlinenses do leste que se acotovelavam a poucos metros dos guardas (…).

O comandante do posto de controle observou cuidadosamente a cena (…) talvez soubesse que o posto de controle maior de Bornholmerstrasse, ao norte, já havia aberto as barreiras, assediado por cerca de 20 mil pessoas (…). O fato é que exatamente às 23h17, deu de ombros (…).

‘Alles auf!’, ordenou, e os portões foram abertos. Ouviu-se um grande bramido, e a multidão avançou em tropel. Entre os primeiros a atravessar para o ocidente (…), estava uma mulher com rolos no cabelo, um sobretudo jogado apressadamente sobre o roupão de banho azul-bebê (…). Como uma enchente que irrompe subitamente, uma onda de gente se levantou e a levou consigo. No meio da multidão, ela virou a cabeça e gritou para um amigo que estava ao lado do fluxo: ‘Vou voltar em dez minutos! Só quero saber se é de verdade!’ [1]


Algumas partes do muro ainda estão de pé ao longo de Berlim. Vale pela lembrança.

Os postos de controle foram abertos aos poucos, pedaços do muro foram arrancados aos poucos, mas para aqueles que acreditavam na queda lenta, que duraria décadas, os eventos aconteceram rápido demais. Os EUA e outros países do ocidente não acreditavam no que suas emissoras de TV, baseadas na parte ocidental de Berlim, mostravam. O mundo não acreditava no que via.

A reunificação alemã aconteceu em 1990, e a URSS sofreu seu colapso em 1991, ocasionando o fim do regime comunista na Europa. O resto é história. A reabertura política, a independência de várias ex-províncias soviéticas, formando novos países. A construção do bloco europeu de comércio, a Comunidade Européia. O Euro.

Mas a queda do muro também provocou, por exemplo, a ascensão de Slobodan Milosevic na Iugoslávia, a guerra do Kosovo, além da mudança do alvo inimigo para os EUA. Antes eram os comunistas, agora são os extremistas islâmicos.

As implicações da queda do muro ecoam até hoje, apesar da Europa não ser mais a mesma. O ato é carregado de simbolismo e não é em vão, pois mudou o mundo, reconfigurando alianças diplomáticas e encerrando, definitivamente, o que seria o “breve século XX” — segundo o historiador Eric Hobsbawn...

Fontes:

- Livro “1989, o ano que mudou o mundo” (Ed. Zahar), do repórter Michael Meyer, correspondente da revista Newsweek. Meyer viveu na Europa Oriental na época da queda do muro e entrevistou muitos dos líderes políticos da época. A citação [1] foi retirada desta livro, entre as páginas 172 e 173.
- Livro “Era dos Extremos, o breve século XX, 1914–1991” (Ed. Companhia das Letras) do historiador Eric Hobsbawn, leitura obrigatória para entender o século XX.
- 1961: a construção do muro de Berlim, artigo do Deutsche Welle com muitas informações relevantes, números do muro e casos de fuga.
- O discurso da chanceler Angela Merkel, nos EUA em 2009, citado no texto.
- A entrevista onde Gorbachev analisa a queda do muro, também citada no texto.
- Achou que era zuêra o piquenique na fronteira entre a Áustria e a Hungria? Era não...

Observação: todos os links foram verificados em 02/01/2020. Este texto foi publicado pela primeira vez em 2009, na ocasião dos 20 anos da queda do muro. Ele passou por uma revisão recente para ser republicado agora, pouco mais de 30 anos depois da queda.

Comentários

  1. Obrigado por voltarem a escrever. Adoro os textos produzidos por vocês! Também sou professor de História, inclusive, vou participar de uma aula didática brevemente para concurso, caso possam me ajudar nessa empreitada eu ficarei muito grato, aguardo retorno. Um grande abraço!

    ResponderExcluir

Postar um comentário