A conquista da Península Ibérica
Resultado da expansão islâmica iniciada no século VII, o processo de conquista da Península Ibérica, a partir do ano 711, delimitou um período de franco desenvolvimento econômico e cultural em uma região da Europa que seria marcada pela estagnação característica do continente durante grande parte da Idade Média, caso os muçulmanos não a conquistassem.
Esta região foi dominada por cerca de sete séculos e mantém resquícios culturais daquela época até hoje. Mas como começou a invasão muçulmana na região, e como os conquistadores conseguiram ficar tanto tempo a ponto de influenciar (positivamente) a cultura local mesmo após deixar a Península?
O último reino visigodo na Hispânia
Se olharmos o atual mapa da Europa, veremos que ali na Península Ibérica temos três países ocupando a região: Portugal, Espanha e uma parte da França. Mas em 711 nós temos registros da existência de vários reinos na região, que muita das vezes não tinham sequer semelhanças culturais próximas ou semelhantes a ponto de considerarmos que estes seriam reinos distintos apenas pelo fator político. Ou seja: diversos reinos daquela região, naquela época, eram completamente diferentes entre si.Uma parte da região era ocupada pelos visigodos, um povo que era considerado “bárbaro” pelos romanos. Bárbaros ou não, os visigodos elegiam seus monarcas, ao invés de respeitar a hierarquia hereditária.
E foi justamente por causa da eleição de um monarca que os muçulmanos tiveram a brecha para invadir a região.
Em 710 o então rei dos visigodos, Vitiza, faleceu. As cortes então deveriam eleger um novo rei, mas Roderic, filho do antigo rei Chindasvinto, tomou o controle da parte sul da Hispânia em uma espécie de golpe de estado, fixando sua capital em Toledo. Na outra parte do reino, mais ao norte, o controle ficou com Ágila II, filho de Vitiza.
Algumas fontes citam que Roderic teria planejado a morte de Vitiza, pensando em tomar o poder, atropelando a eleição. O que sabemos com absoluta certeza é que Ágila II pediu ajuda aos muçulmanos que já controlavam a região norte da África, com o intuito de defender as posições do reino, proteger seus simpatizantes que ainda viviam ao sul e retirar Roderic do poder de qualquer forma, além de uma outra reivindicação que será comentada a seguir.
Uma boa desculpa para invadir a península: seguir a shariah
O argumento principal utilizado por Ágila II para motivar e até mesmo forçar a ajuda muçulmana foi colocar no tabuleiro das negociações uma das leis islâmicas presentes na shariah — o código de leis do islamismo — que diz que os muçulmanos devem sempre proteger os “povos do livro”, ou seja, os cristãos e os judeus, além dos muçulmanos que estejam vivendo em outras regiões.É isto mesmo que você está lendo: apesar das várias discordâncias entre as três principais religiões monoteístas, a lei islâmica prevê que seu povo deve defender, sempre que possível, os seguidores das outras religiões que, segundo o islã, também seguem uma “escritura sagrada”.
E na Península Ibérica os judeus vinham sofrendo com perseguições, principalmente dos seguidores de Roderic. Só que esta perseguição vinha desde 612, quando foi instituído o batismo obrigatório dos judeus, sob pena de expulsão e confisco dos bens. Ou seja: a perseguição era antiga, mas foi usada como pretexto para motivar os muçulmanos a invadir a região.
Então, para defender os judeus e também para auxiliar Ágila II, Tārik ibn Ziyād foi destacado para comandar o exército muçulmano na região.
O general Tārik atravessou o Estreito de Gibraltar após a abertura do porto em Ceuta, na África, desembarcando justamente no rochedo de Gibraltar, que após a invasão ficou conhecido como “Djebel el-Tārik”, ou “Monte Tārik”.
Conta-se que Tārik mandou queimar todos os barcos após o desembarque dos soldados, instigando os guerreiros a vencer o inimigo de qualquer jeito.
E em 31 de Julho de 711, na Batalha de Guadalete, as tropas muçulmanas venceram os visigodos liderados por Roderic, que morreu naquele combate.
Tārik ainda tomaria Toledo e Córdoba em outubro do mesmo ano. Logo depois, recebeu reforço militar de Musa ibn-Nusair, que era o governador do norte da África e que havia destacado Tārik para a tomada do reino visigodo.
Com este reforço, Tārik, Musa e comandantes subsequentes — como Abdul-el-Aziz – conquistaram, gradativamente, quase toda a península, instalando ali inicialmente um emirado e depois o califado Omíada de Córdoba, que durou até 1031 e depois viu surgir diversos reinos Taifa, ainda sob dominação islâmica.
Apenas uma faixa de terra ao norte, conhecida como Reino das Astúrias, não caiu frente à invasão muçulmana. Na imagem ao lado, como estava dividida a Península Ibérica em no ano de 750, apenas alguns anos após a primeira invasão.
[E sobre a resistência do Reino das Astúrias, que é conhecida como o início da Reconquista, nós falaremos em outro texto, ok?]
O período em que os muçulmanos ocuparam a Península Ibérica foi tão importante na região que até hoje suas contribuições culturais estão presentes. Não cabe aqui discutir se a população local sofreu muito ou pouco com a ocupação, nem com as guerras de Reconquista, séculos depois.
O que sabemos é que era costume dos islâmicos respeitarem o culto dos povos conquistados, desde que estes pagassem impostos e não atrapalhassem o comércio e o desenvolvimento da região, o que dá margem à ideia de que a perseguição aos judeus diminuiu, enquanto os católicos também tiveram sua crença respeitada. E, é lógico, a região se viu livre da filosofia vigente em grande parte da Europa ocidental, liderada pela Igreja Católica Apostólica Romana.
Sendo assim, vamos procurar analisar rapidamente as contribuições islâmicas na região.
Al-Andalus, o reino islâmico da Europa
Córdoba, Lisboa, Granada, Mértola, Beja, Toledo e Arraiolos. Todas são cidades da península que alcançaram grande desenvolvimento após a invasão islâmica.
Como os muçulmanos são povos oriundos do deserto, as casas eram construídas com um sistema de captação de água para grandes cisternas que armazenavam as chuvas. Os muçulmanos ainda trouxeram o uso os moinhos de água e de vento, além do costume de construir canais de irrigação para as plantações e o consumo humano. Aliás, a arquitetura da região merece um texto à parte!
Os muçulmanos também desenvolveram na região algumas indústrias artesanais de armas, carros de boi, arreios e tapetes. Passaram a cultivar em larga escala — para a época, claro — várias árvores frutíferas, como laranjeiras, limoeiros, amendoeiras, figueiras e macieiras, além de levar para a região a oliveira.
Os algarismos que usamos hoje são invenções hindus, aprimoradas e difundidas pelos árabes.
No campo do conhecimento “teórico”, os muçulmanos deixaram na região novas informações nas áreas da Medicina, da Astronomia, da Matemática — os algarismos substituíram os números romanos gradativamente — da Geografia e da Navegação. Introduziram também a bússola e o astrolábio, facilitando as navegações ibéricas iniciadas nos séculos XIV e XV.
Antes da ocupação muçulmana, os ibéricos não usavam a pólvora nem sabiam fazer papel, dois elementos que também foram inseridos na península. Na verdade os muçulmanos tinham contato com várias culturas orientais e traziam o que havia de bom para sua cultura, e os ibéricos puderam conhecer isto tudo a partir da ocupação.
Palavras de origem árabe fazem parte do vocabulário português até hoje: almirante, alferes, açúcar, laranja, alcachofra, tapete, azeitona, algodão, masmorra, safra… são mais de 600 palavras do português que tem origem árabe. É muita coisa!
No campo filosófico e teológico, alguns clérigos árabes entraram em diversas discussões com seus pares católicos, prestando valoroso debate no campo religioso — mesmo que a teologia islâmica não tenha influenciado os teólogos católicos… mas isso é outra conversa!
Mais à frente nós falaremos da Reconquista da Península Ibérica. Aguardem pois o assunto ainda não acabou!
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