A Revolução Iraniana


Desde o início do século XX, todo país que tinha ou tem reservas de petróleo sofreu, em algum momento, intervenção das chamadas grandes potências querendo explorar o ouro negro.

E no Irã não foi diferente. Como eles negociavam muito petróleo com o ocidente, durante a Segunda Guerra o país ficou no radar dos alemães, sedentos pelo combustível que movimentaria suas máquinas de guerra.

Para evitar uma quase inevitável invasão nazista, os britânicos — que já controlavam a extração de petróleo na região com a Companhia de Petróleo Anglo-Persa (APOC) — resolveram intervir militarmente, protegendo os campos e aumentando ainda mais a pressão política no Irã, que nesta época já era governado pelo xá Rheza Pahlevi, que havia dado um Golpe de Estado na década de 1920 e desde então estava no poder.

Esta invasão britânica não foi gratuita, já que Pahlevi abriu diálogos com Alemanha e Itália pouco antes da guerra estourar, em 1939, na tentativa de se aproximar dos governantes totalitários da Europa, gerando este desconforto na Inglaterra — e também na URSS, diga-se de passagem.

Pressionado, Pahlevi deixou o país em 1941 e passou o governo para as mãos do filho, Mohammad Reza Pahlevi (foto ao lado), que com o fim da Segunda Guerra e o início da Guerra Fria teve que lidar com uma crescente insatisfação popular, já que o povo entendia que o petróleo era um importante produto de exportação do país, mas o lucro gerado com a venda deste produto não gerava melhorias para a população.

É aquela coisa: está no nosso solo, debaixo de nossos pés, é nosso. E nós não estamos vendo a cor do dinheiro que estão pagando por ele.

Como consequência desta insatisfação, Mohammad Pahlevi preferiu diminuir gradativamente seu poder, permitindo que o país tivesse um primeiro-ministro, nomeado pelo próprio Pahlevi, mas com poderes de Chefe-de-Estado, além de dar mais força ao Parlamento, na intenção de acalmar os descontentes.

Já em 1951 o primeiro-ministro, Mohammad Mossadegh, resolveu mudar algumas regras no Irã e forçou a nacionalização do petróleo do país. Óbvio que as empresas que estavam explorando o produto — e nesta época a maioria das empresas já eram norte-americanas, com algumas britânicas — não gostaram da atitude de Mossadegh.

Em 1953, a mando do governo dos EUA e também apoiados pelos britânicos, a CIA orquestrou um Golpe de Estado que tirou Mossadegh do poder e trouxe de volta Mohammad Reza Pahlevi, na figura central de uma Monarquia Constitucional, que na verdade era uma ditadura, pois o Parlamento também perdeu parte da força com esta jogada dos EUA, por ter apoiado as decisões de Mossadegh.

E como é normal em alguns governos autoritários, parte da população estava completamente esquecida por Pahlevi, enquanto o país tinha grandes riquezas exploradas por empresas estrangeiras. O dinheiro do Irã saía do país enquanto grande parte do povo amargava uma vida de necessidades.

Além disso, o país começou a passar por um período de “ocidentalização”, bancado pelo governo, chamado de revolução branca, com a entrada de empresas, produtos, filmes, músicas, entre outros veículos culturais que tentavam forçar a aculturação e consequente diminuição da influência islâmica no país.

Trocando em miúdos, Mohammad Reza Pahlevi contratou o ~~Pacote Premium da CIA~~. Não veio só o Golpe, mas também todo o suporte cultural para legitimar a “amizade” com o Ocidente. E pagou isso tudo com petróleo, claro.

Os xiitas, parte da população muçulmana que, entre outras características, não aceita mudanças culturais e/ou religiosas no país, começou um forte movimento de oposição a Pahlevi, organizado pelo aiatolá Ruhollah Khomeini que, mesmo exilado em Paris, enviava mensagens para instigar a realização de protestos, greves e outras manifestações de repúdio a Pahlevi. Este movimento cresceu durante os anos 1970, mas foi em agosto de 78 que a coisa toda pegou fogo: Pahlevi criticou abertamente um texto de Khomeini publicado em um jornal iraniano, o que motivou uma grande onda de protestos.

Khomeini e a volta das antigas tradições

Ao criticar o aiatolá, Mohammad Pahlevi deu motivos maiores para que os insatisfeitos com seu governo — além dos xiitas — fossem para as ruas protestar.

Neste ponto, devemos tomar cuidado ao tentar explicar a relação entre Religião e Governo em um país muçulmano, pois mesmo em países que não são teocráticos, os líderes religiosos tem voz bem ativa e podem influenciar profundamente tanto a população quanto as decisões do governo.

Como no Irã havia uma massa de insatisfeitos e um líder religioso que defendia profundas reformas sociais e econômicas, além de desejar a volta dos valores religiosos tradicionais do islamismo ao país, é de se imaginar que os protestos ganharam as ruas com uma força que o governo não esperava.

Pahlevi já havia decretado “Estado de Exceção” durante os protestos de agosto de 1978, mas em 8 de setembro, uma grande manifestação acabou em matança nas ruas de Teerã. O dia ficou conhecido como sexta-feira negra.

A coisa ficou bem feia nas ruas de Teerã…

A pressão internacional, motivada por denúncias de violações dos Direitos Humanos contra os manifestantes, além da fortíssima instabilidade econômica gerada com os protestos, fez com que Mohammad Pahlevi deixasse o país em 16 de janeiro de 1979, mas antes designou o primeiro-ministro Shahpur Bakhtiar como chefe de um conselho que governaria o Irã durante a sua ausência. Em 1° de fevereiro, Khomeini voltou ao Irã, sendo recebido com festa por grande parte da população.

Bakhtiar, meio acuado e sem grande apoio das Forças Armadas, não tinha muito o que fazer para manter o status quo, então tentou conter a onda oposicionista e não autorizou Khomeini a formar um novo governo. A população voltou às ruas, o que causou diversos conflitos entre policiais e manifestantes.

O dia 11 de fevereiro amanheceu com muitos soldados nas ruas de Teerã e o rumor de um golpe militar ganhou força durante o dia. Porém, enquanto o dia avançava, as pessoas iam percebendo que não havia, naquela movimentação militar, o interesse em tomar o poder. Os manifestantes acabaram tomando a principal estação de rádio de Teerã e declararam no microfone: “Esta é a voz da revolução do povo do Irã!”.

Era muita gente nas ruas e nas praças apoiando Khomeini.

Foto: Alain Keler (peguei no site do The Guardian, daqui a pouco dou o link com a fonte)


Com o passar dos dias, Bakhtiar, sem força política, renunciou ao cargo. Os EUA até tentaram negociar alguns termos com Khomeini, talvez tentando amenizar a perda da influência, pensaram seriamente em apoiar outro golpe, mas nenhuma movimentação norte-americana foi pra frente desta vez.

Um referendo foi marcado para abril de 1979 e vencido por Khomeini com ampla vantagem de votos. Ao tomar posse, o aiatolá declarou fundada a República Islâmica do Irã e assim foi aclamado como líder perpétuo e supremo do país, tanto político como religioso.

O que mudou com Khomeini no poder?

Primeiro, é importante entender como funciona a democracia iraniana pós-revolução: eles tem um presidente, que é eleito pelo povo. E um Parlamento também eleito pelo povo.

Mas o líder supremo é o aiatolá. Independente do resultado das eleições, é o aiatolá que ratifica (ou não) este resultado. Isso quer dizer que um presidente eleito pode ser destituído ANTES de tomar posse. E uma vez empossado, pode tomar decisões importantes sem sofrer interferência, mas também pode ter suas decisões contestadas pelo aiatolá.

Khomeini foi sucedido em 1989 por Ali Khamenei, que já havia sido presidente do país entre 1981 e 1989. E os três últimos presidentes são: Mohammad Khatami, Mahmoud Ahmadinejad e o atual Hassan Rohani (desde 3 de agosto de 2013). É importante citar que, apesar dos três serem xiitas, Ahmadinejad é considerado o mais conservador dos três.

Aliás, esta é uma das críticas feitas pelo Ocidente ao Irã: o país é governado e apoiado por setores da população extremamente conservadores, e o Estado iraniano muitas vezes fere os Direitos Humanos, principalmente contra as mulheres, além das liberdades individuais.

Mas a maioria do povo apóia seus governantes, já que estes trouxeram de volta valores que estavam se perdendo após o fim da Segunda Guerra. É fato que além da repressão do Estado, há também toda uma ideologia religiosa que alimenta os simpatizantes do governo, além do país ter passado, após sua revolução, por uma guerra de oito anos contra o Iraque, enquanto Saddam Hussein ainda servia aos interesses dos EUA.

Na cabeça dos muçulmanos xiitas, o Ocidente — em especial os EUA — é o inimigo a ser derrotado. Assim fica relativamente fácil receber apoio da população e cortar relações diplomáticas com o Ocidente, mesmo que entre os jovens a vontade seja a de fazer parte deste mundo cada dia mais globalizado.

Hoje, pessoas que acompanharam de perto todo o processo na década de 1970 comentam que a revolução, na época necessária para o país, apresentou resultados ruins para o povo com o passar do tempo. Segundo Clifford May, jornalista que trabalhava no Irã na década de 70,

A revolução está decrépita. Se olharmos do ponto de vista econômico, o Irã é mais pobre hoje do que era na época do Xá. Não houve nenhum avanço real nos últimos 30 anos. O país não produz nada além de petróleo. Há menos oportunidades para os jovens iranianos, e menos liberdade para a população. A população apoiou o Aiatolá Khomeini, mas em vez de ajudar o país a progredir, a revolução jogou o Irã para trás.[1]


Para piorar, o país montou um programa nuclear que é julgado pelo Ocidente como “perigoso” para a paz regional, mas o governo iraniano insiste que o programa tem fins apenas energéticos e não bélicos. Se o Irã tem condições de produzir a bomba atômica e, uma vez construída, se eles tem condições de lançá-la longe de seus domínios, nós não sabemos ao certo, mas hoje este é, sem dúvida, o maior problema diplomático do país.

Fontes:

[1] Revolução no Irã trouxe atraso e desilusão, dizem historiadores. Link do G1.
- Sobre o golpe de estado orquestrado pela CIA (sempre eles…) em 1953, clique aqui.
- Sobre a quase-tentativa de golpe, desta vez em 1979, clique aqui. Aquela foto dos clérigos iranianos olhando a multidão eu também tirei deste link.

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