A Recife holandesa


Em 1624 os holandeses já haviam criado a Companhia das Índias Ocidentais e iniciado planos para a expansão de seus domínios além-mar na África e na América, já que a Companhia das Índias Orientais conseguia, na época, relativo sucesso comercial na Ásia. Mas como conquistar locais já ocupados e colonizados por portugueses e espanhóis, ainda mais na época da União Ibérica, quando as duas potências marítimas respondiam à mesma Coroa?

O jeito era usar a força. E assim a Holanda conseguiu, por aproximadamente um ano, controlar Salvador, então capital do Brasil. Para os holandeses, o importante era traficar escravos para as lavouras do nordeste e eliminar os atravessadores — no caso, os ibéricos — no comércio de açúcar. Expulsos pela Jornada dos Vassalos em 1625, os holandeses juntaram forças durante cinco anos e em 1630 conquistaram Olinda e Recife.

E é aqui que começamos nosso texto, falando sobre a influência holandesa na região em 24 anos de dominação.

Conquistando Olinda, depois Recife: a falta de defesas portuguesas foi determinante para o sucesso holandês

Em fevereiro de 1630, 56 navios holandeses com 3.780 tripulantes e 3.500 soldados comandados por Diederik van Waerdenburch chegaram à Olinda. Tomaram rapidamente a cidade, já que não havia muita resistência portuguesa disponível. Depois, rumaram para Recife e, após também conquistar a cidade, receberam o reforço de cerca de 6 mil homens enviados para auxiliar na defesa da área conquistada e expandir os domínios. Mas a resposta portuguesa não tardou muito.

“A Tomada de Olinda”, quadro de John Ogilby

Matias de Albuquerque, irmão do donatário Duarte de Albuquerque Coelho — o conde de Pernambuco — organizou uma ofensiva contra os holandeses no ano seguinte, apoiado por uma esquadra de 23 navios espanhóis e portugueses. Seu maior mérito foi saber usar o apoio dos nativos e suas táticas de guerrilha para expulsar os holandeses de Olinda, que optaram por deixar a cidade e concentrar toda sua defesa em Recife.

Ao controlar Recife os holandeses passaram a traficar os escravos trazidos da África e vende-los aos senhores de engenho de Pernambuco — capitania que era a principal produtora de açúcar e fumo da época —, além de comercializar com os engenhos da região, já que o porto de Recife era a principal porta de saída dos produtos pernambucanos.

O território dominado chegou a ter até uma bandeira própria (essa aí do lado), já que os holandeses consideravam as regiões conquistadas como a Nova Holanda.

Após este recuo estratégico e de um tempo sem poder sair de Recife, os holandeses tentaram conquistar regiões litorâneas próximas — na Paraíba em 1634 e no Rio Grande do Norte em 1635 — e tiveram relativo sucesso, contando principalmente com a ajuda de Domingos Calabar, que foi considerado por muitos como traidor da coroa portuguesa ao relatar para os holandeses diversos detalhes das cidades e fortificações onde os portugueses se defendiam.

O que muitos não consideram é que os próprios produtores de açúcar da região passaram a gostar da dominação holandesa, pois houve uma injeção de capital quase que imediata nos negócios, além da forma de negociação holandesa, mais liberal, ser mais rentável aos produtores.

Em 1637, visando a consolidação administrativa definitiva da região, a Holanda mandou para o Brasil aquele que viria a ser o principal personagem nesta ocupação, o conde Maurício de Nassau.

A capital do Brasil holandês: Nassau promoveu importantes mudanças na “Nova Holanda”

Johan Maurits van Nassau-Siegen, mais conhecido pelos brasileiros como Maurício de Nassau, ocupou os cargos de governador, capitão e almirante-general do Brasil em nome da Companhia das Índias Ocidentais.

Hábil negociador, procurou sempre conciliar os interesses holandeses com os comerciantes e senhores de engenho locais, independente da nacionalidade dos mesmos, e acabar com as disputas com os portugueses, já que as lutas que ainda eram travadas, mesmo que isoladas, causavam prejuízos tanto para os produtores locais como para os holandeses.

Para isso Nassau ordenou que novos territórios fossem ocupados. Assim, partes do Sergipe e do Maranhão também foram conquistados pelos holandeses. O conde ainda criou a Câmara dos Escabinos, nos moldes das Câmaras Municipais da época, com a função de legislar e também julgar casos em primeira instância ainda na colônia.

Mas foi no plano urbanístico, cultural e religioso que Nassau deixou seu nome marcado para sempre no Brasil. Vamos enumerar aqui algumas destas realizações:

- Urbanização de Recife:

É do arquiteto Pieter Post o traçado da Mauritstad, ou “Cidade Maurícia” (mapa abaixo), que hoje engloba os bairros de Santo Antônio e São José, em Recife. Foram construídos pontes, canais, diques e edifícios, além do palácio de Freeburg, sede do governo de Nassau.


Também foram construídos o jardim botânico, o museu natural e o observatório astronômico, o primeiro da América. Outros arquitetos e engenheiros auxiliaram na urbanização de Recife, focando principalmente no saneamento básico. Nassau ainda mandou criar o serviço de recolhimento de lixo e um grupamento de bombeiros.

Também é desta época a construção de diversos fortes à beira do mar, como o Forte do Brum e o Forte Orange, visando a defesa das áreas ocupadas.

- Expedição cultural:

Nassau trouxe para o Brasil uma série de cientistas, entre eles o médico Willem Piso e o matemático, astrônomo e naturalista Georg Marcgraf, que estudaram a fauna, a flora e as doenças locais.

É dos dois cientistas a Historia Naturalis Brasiliae, que pode ser considerada a primeira obra de caráter científico sobre a natureza brasileira.

Também vieram na comitiva o paisagista Frans Post — irmão do já citado arquiteto Pieter Post — e o retratista Albert Eckhout. O quadro ao lado, “Mulher Africana”, é de Eckhout, que também pintou diversas telas retratando os nativos e os escravos africanos que viviam na região.

A expedição patrocinada por Nassau ainda contou com o cartógrafo Cornelis Golijath e o humanista Caspar Barlaeus. É desnecessário ficar aqui enumerando a importância da vinda destes cientistas e artistas para o Brasil em uma época que as metrópoles europeias já gozavam de um relativo avanço cultural, enquanto as colônias recebiam pouquíssima atenção nestes aspectos. Muita informação importante sobre nosso país durante o período colonial foi produzida por esta e outras expedições que traziam estudiosos europeus para o Brasil.

Diferente dos primeiros portugueses que vieram ao Brasil para povoar e produzir nas Capitanias Hereditárias, os holandeses não esperavam apenas comercializar com as pessoas que viviam aqui, mas também desenvolver a região conquistada.

- Tolerância religiosa:

Nassau era calvinista e mesmo assim não fez qualquer restrição quanto ao catolicismo já entranhado na região por conta dos portugueses. Além disso, estimulou a vinda de judeus de origem portuguesa refugiados nos Países Baixos para a “Nova Holanda”. Mesmo com a garantia de liberdade de culto pelo governo de Nassau, houve um certo anti-semitismo na região, motivado principalmente pelos portugueses. Em Recife foi fundada a primeira sinagoga das Américas, a Kahal Zur Israel.

Para quem estiver mais interessado em saber sobre as contribuições holandesas, eu aconselho uma passada no site da prefeitura de Recife, que contém outros dados interessantes (o site parece que foi feito em 1996, mas relevem).

Mas ao ler sobre a época em que os holandeses controlaram uma parte do território brasileiro, vem logo à mente o pensamento: “Como seriam hoje estas regiões caso a Holanda as controlasse por mais tempo?” Infelizmente só podemos imaginar, pois Nassau deixou a administração de Recife em 1644, insatisfeito com a ingerência da Companhia das Índias Ocidentais sobre o território. Os novos administradores que vieram ao Brasil acabaram provocando a Insurreição Pernambucana.

A “Guerra da Luz Divina”

Um certo barbudo alemão disse certa vez que tudo na História pode ser resumido em relações econômicas, ou de produção. Guardadas as devidas proporções, podemos dizer que os comerciantes e produtores brasileiros provocaram a Insurreição Pernambucana porque começaram a perder dinheiro.

Os holandeses que substituíram Nassau na administração da Nova Holanda praticamente rasgaram o testamento político do conde e começaram a cobrar dos produtores de cana-de-açúcar as dívidas contraídas junto aos holandeses. Não que os produtores não pagassem, mas aparentemente tudo foi cobrado em uma época que o clima não estava ajudando muito e a safra de cana e fumo foi bem fraca, causando prejuízos para os dois lados.

Os principais líderes que lutaram contra os holandeses foram: o senhor de engenho João Fernandes Vieira; o soldado André Vidal de Negreiros — nomeado Mestre-em-Campo durante os combates — e o soldado Antonio Dias Cardoso, hoje patrono do 1º Batalhão de Forças Especiais do Exército Brasileiro; o nativo Felipe Camarão, mais conhecido como Potiguaçu, que liderou diversas ações de guerrilha; e o negro Henrique Dias, que comandou diversos ex-escravos que lutaram juntos com os portugueses e brasileiros pela libertação da região.


A Insurreição Pernambucana é considerada pela corrente historiográfica militar tradicional brasileira como o primeiro movimento patriótico do Brasil e contou com lutas bem violentas, como a Batalha dos Guararapes, retratada no quadro acima, de Victor Meirelles, pintado somente em 1879.

No ano de 1654 os holandeses deixaram definitivamente o Brasil, apesar de um tratado de paz definitivo só ter sido assinado em 1661, após parte da armada holandesa ameaçar Lisboa exigindo o pagamento de uma indenização pela perda dos territórios.

Fontes:

- A criação do mito do Brasil Holandês, artigo de Gabriel Passetti.
- Para saber mais sobre a Jornada dos Vassalos, citada lá no início do texto, clique aqui (link da Biblioteca Nacional de Portugal).
- Mesma coisa com a Historia Naturalis Brasiliae. É só clicar.

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