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O processo de Independência do Brasil


Se nós olharmos apenas o ato da proclamação, o simbólico Grito do Ipiranga, e alguns fatos importantes que ocorreram antes e após a proclamação, a independência do Brasil parece um evento um pouco vazio, concordam? Tem um Dia do Fico aqui, um Cumpra-se ali e um Reconhecimento da independência acolá. Na verdade, o processo de independência começou com a vinda da Família Real em 1808, fugindo da invasão das tropas de Napoleão a Portugal.

A Família Real no Brasil

A vinda da Família Real deve ser citada neste momento como o primeiro motivo que levou à independência do Brasil, mesmo que de forma superficial. É bom lembrar que não era a intenção de D. João transformar o Brasil em um país independente quando aceitou a ajuda inglesa e atravessou o oceano Atlântico, mas o fato trouxe ao Brasil mudanças significativas.

Assim que chegou ao Brasil, D. João abriu os portos às nações amigas e estabeleceu tratados de comércio, liberando a entrada de produtos não-portugueses no Brasil — antes existia o Pacto Colonial, lembram? A Inglaterra foi a principal beneficiada com estes tratados, pois ficou com as menores taxas alfandegárias, mas o fato é que o Brasil não fazia mais comércio somente com Portugal.



A vinda da Família Real representava a proximidade dos brasileiros e portugueses residentes no Brasil com o Poder. Esta proximidade não permitia debates dos setores politizados com o Poder Absoluto representado pela figura de D. João, mas alguns hábitos da realeza começaram a receber alguns questionamentos da sociedade, pois toda a corte era sustentada pelos impostos pagos à Coroa.

E em 1815, quando Portugal estava em desvantagem no Congresso de Viena, o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O Brasil então passou a ser a sede do governo português. Esta proximidade da Família Real com o Brasil e o aumento da importância da colônia vai estimular duas revoluções que também merecem destaque no processo de independência: a Revolução Pernambucana e a Revolução do Porto.

A Revolução Pernambucana

Ocorreu em 1817 e foi provocada pelo descontentamento dos pernambucanos com a forte centralização do poder na província do Rio de Janeiro. D. João realmente não estava muito preocupado com as outras províncias, e Pernambuco era o maior exportador de cana-de-açúcar do Brasil.

Devido à quase onipresença de funcionários portugueses na administração pública pernambucana, somado ao descaso das autoridades, a monopolização do comércio na mão também dos portugueses e o aumento de impostos decretado por D. João, fez com que os pernambucanos buscassem a independência e a proclamação de uma República, além da expulsão dos portugueses.

Esta revolução não alcançou seus objetivos por tanto tempo — os revolucionários ficaram no poder por menos de 3 meses —, mas a Coroa viu abalada sua confiança em construir uma unidade imperial no Brasil, nos moldes desejados por D. João.

A Revolução liberal do Porto

Em 1820, com Portugal completamente livre da dominação napoleônica desde 1815, as ideias liberais tomaram a cabeça da população e da burguesia portuguesa contra o absolutismo, exigindo uma nova constituição. O futuro Parlamento, também chamado de Corte Portuguesa, seria inclusive formado por representantes de todas as camadas da sociedade lusitana, assim como representantes das colônias.

Eles exigiam também a volta imediata de D. João, que teria que jurar fidelidade à nova Constituição e ao Parlamento. Além disso, também queriam a volta do Pacto Colonial e o estímulo para a recolonização do Brasil. Este movimento causou reflexos por aqui e apesar de politicamente o Brasil passar a contar com uma representação na Corte, caso a Revolução do Porto tivesse êxito, comercialmente voltaríamos à depender exclusivamente de Portugal. Não que o comércio com os ingleses fosse uma maravilha, mas existia um progresso, coisa que antes de 1808 os comerciantes do Brasil nem sonhavam que iria acontecer.

A volta de D. João para Portugal e a regência de D. Pedro

Em 1821, para aplacar os ânimos dos portugueses e manter o poder absoluto em seus domínios, D. João resolveu voltar para Portugal deixando no Brasil o príncipe regente, D. Pedro.

O momento político do Brasil era turbulento e D. Pedro estava dividido entre as opiniões de três partidos políticos: o Português, formado pelos funcionários da Corte, comerciantes e as elites nordestinas — todos portugueses, claro — , o Brasileiro, formado pelas elites do sudeste, de orientação mais conservadora e maioria brasileira, e o Radical, formado por elementos do povo considerados mais radicais (óbvio, né?), de orientação republicana, também de maioria brasileira.

D. Pedro e seus aliados eram simpatizantes do Partido Brasileiro, até mesmo porque vários maçons eram filiados a este partido — D. Pedro era maçon, sabiam? — mas não era somente por isso. É que o Partido Brasileiro inicialmente defendia a manutenção da monarquia.

Em 9 de dezembro de 1821, chegou ao Rio de Janeiro o decreto da Corte que determinava o término da Regência e o imediato retorno de D. Pedro a Portugal, a obediência das províncias a Lisboa — as províncias brasileiras respondiam no momento ao Rio de Janeiro — e a extinção dos tribunais do Rio de Janeiro. O Partido Brasileiro ficou preocupado com estas imposições da Coroa.

D. Pedro, quando questionado sobre possíveis movimentos emancipacionistas, mostrou-se receptivo à ideia, apesar de já estar se preparando para a voltar à Portugal. Assim, o Partido Brasileiro aproximou-se dos Radicais, e os dois grupos passaram a trabalhar juntos para a independência.

Neste momento destacou-se a figura de José Bonifácio, reconhecido depois como o Patriarca da Independência. Bonifácio era membro do governo provisório de São Paulo e escreveu para D. Pedro uma carta na qual criticava a decisão da Corte em Lisboa, chamando a atenção do príncipe para as decisões prejudiciais ao Brasil que ele estava decidido a acatar.

D. Pedro publicou esta carta na Gazeta do Rio de Janeiro em 8 de janeiro de 1822, e percebeu que a mesma teve boa receptividade entre os brasileiros. No mesmo dia, Bonifácio chegava ao Rio com uma comitiva paulista para entregar a D. Pedro a representação paulista favorável à manutenção do príncipe regente no controle do Brasil.

No mesmo dia D. Pedro nomeou José Bonifácio ministro do Reino: pela primeira vez na História o cargo de ministro era ocupado por um brasileiro.

Na cidade do Rio também já circulava uma coleta de assinaturas pedindo a permanência de D. Pedro no Brasil. O documento foi entregue a Pedro pelo Senado da Câmara — sim, naquela época já existia um senado no Brasil! — no dia 9 de janeiro, com cerca de 8 mil assinaturas, que naquela época era considerado um número expressivo de pessoas. Em resposta, Pedro decidiu desobedecer as ordens da Corte e permanecer por aqui, pronunciando a célebre frase:

“Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico!”

Este dia ficou conhecido (lógico) como o Dia do Fico. D. Pedro ganhou grande apoio popular com a decisão e em 16 de fevereiro um Conselho de Procuradores Gerais foi convocado com a intenção de resistir à recolonização proposta por Portugal.

Em maio, D. Pedro aprofundou ainda mais a cisão com a Corte portuguesa, ao decretar o Cumpra-se, um documento que determinava que uma ordem da Coroa portuguesa só teria validade no Brasil caso recebesse o aval do regente.

Enquanto isso os Radicais, comandados por Gonçalves Ledo, pediam a D. Pedro a convocação de uma Assembléia Constituinte, convocada então em 13 de junho. Apesar dos apelos da área mais conservadora do Partido Brasileiro — José Bonifácio incluso —, a pressão popular levou a convocação adiante. Esta Assembléia mostrou-se favorável à manutenção da aliança Portugal-Brasil. Porém, a Coroa continuava exigindo o retorno de D. Pedro.

O Grito do Ipiranga:

“Independência do Brasil”, quadro de François-René Moreaux.

No dia 7 de setembro, D. Pedro voltava de Santos com sua comitiva. Quando estava parado próximo ao riacho Ipiranga, um mensageiro alcançou a comitiva e entregou ao regente três cartas:

- uma da Coroa, onde seu pai, D. João, exigia sua imediata volta e submissão à Coroa;
- a segunda carta era de José Bonifácio, aconselhando D. Pedro a romper relações com Portugal;
- e a terceira era de sua esposa, a princesa Maria Leopoldina, apoiando a decisão de Bonifácio e aconselhando D. Pedro: “O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece.”

Bom, agora que a patroa havia mandado… não, desculpem, foi apenas uma brincadeira. O texto está tão grande, se você chegou até aqui não vai ficar zangado, não é? Então voltemos ao texto… D. Pedro, após refletir sobre as cartas, rompeu definitivamente as relações com Portugal pronunciando a famosa frase:

"Independência ou Morte!"

Estava proclamada a Independência do Brasil.

Um pouco sobre o pós-independência:

Dos diversos processos de independência ocorridos no continente americano, o brasileiro talvez tenha sido o menos violento. Conflitos ocorreram na Bahia, Pará, Piauí e na Província Cisplatina, e o exército foi organizado por José Bonifácio, que contratou mercenários bancados pela oligarquia agrária do sudeste. Milícias populares, favoráveis à independência, também lutaram ao lado das tropas regulares.

Mas nós não tivemos no Brasil um grande conflito, como foi a guerra de independência norte-americana ou as lutas pela independência na América espanhola.

Como não existia a noção de nação brasileira — conceito este que começou a ser explorado no Brasil apenas no século XIX —, os três primeiros estados a aderir à independência foram o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Gradativamente os outros estados também aderiram. A independência teve também o apoio decisivo do clero, da maçonaria e da imprensa independente.

Externamente, a manutenção da monarquia após a independência brasileira causou desconfiança entre os países americanos, pois todos que estavam largando os grilhões europeus optavam pela implantação da república.

Os EUA reconheceram a independência do Brasil em 1824, seguindo os preceitos da Doutrina Monroe, “A América para os americanos”. Na Europa, Portugal reconheceu a independência em 1825, mediante duas exigências: o pagamento de uma indenização e a garantia de privilégios comerciais. Já a Inglaterra reconheceu em 1826, também com duas exigências: renovação dos tratados de 1810 e a extinção, dentro de 3 anos, do tráfico negreiro.

E gradativamente as outras monarquias europeias foram acatando a decisão portuguesa, e reconhecendo o Brasil como um país independente.

Gravei também um vídeo em 2016 sobre o pós-independência, curte aí!


Fontes do texto:

Qualquer livro sério sobre História do Brasil, menos aqueles ~ politicamente incorretos ~, se é que vocês me entendem…

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