Treze dias que abalaram o mundo


Um dos episódios mais tensos da Guerra Fria envolveu não só EUA e URSS mas também a ilha de Cuba, “pivô” do desentendimento entre as duas superpotências.

Em 14 de outubro de 1962 um avião espião norte-americano sobrevoou Cuba e acabou descobrindo — e tirando fotos que comprovavam — uma série de construções que, aparentemente, pareciam com uma nova instalação militar na ilha. Ao observarem melhor as fotos, os analistas declararam que a construção não só era uma instalação militar como estava preparada para receber e lançar diversos mísseis nucleares.

Os soviéticos eram os responsáveis pela construção — porque Cuba não tinha tecnologia para tal empreitada —, e aí a coisa ficou realmente complicada nas já frágeis relações diplomáticas entre EUA e URSS, representados, na época, pelos presidentes John Kennedy (EUA) e Nikita Kruschev (URSS).

A instalação dos mísseis foi uma retaliação?

Quando analisamos a Crise dos Mísseis, normalmente nós citamos a instalação dos silos em solo cubano e o perigo iminente de uma guerra nuclear entre EUA e URSS. Mas o episódio vai além, ou melhor, tem antecedentes que por vezes não são lembrados.

Em 1961 os EUA fizeram dois movimentos no tabuleiro da Guerra Fria que desencadearam todo o acidente diplomático de outubro de 1962. Primeiro a CIA, autorizada pelo presidente Kennedy, articulou o ataque à Baía dos Porcos, que envolveu refugiados cubanos que viviam nos EUA e tinha por objetivo derrubar o regime de Fidel Castro.

O ataque foi um fracasso retumbante, mas o acontecimento ajudou a aproximar cubanos e soviéticos, quando Fidel definitivamente alinhou sua política com as diretrizes da URSS, passando inclusive a receber ajuda econômica dos russos, já que os EUA já boicotavam os produtos cubanos.

O segundo ato norte-americano foi instalar mísseis nucleares na Turquia, também em 1961, praticamente às portas de Moscou. Portanto, a instalação dos mísseis em solo cubano em outubro de 1962 pode ser entendido como uma retaliação soviética aos norte-americanos. E Cuba apenas aceitou a instalação porque, convenhamos, era interessante no momento ter algo em seu solo que causava medo nos EUA.

“A Crise”

Os EUA tinham um grave problema batendo à sua porta: uma ilha, a aproximadamente 150Km de seu território, que estava construindo instalações militares para alojar e lançar mísseis contendo ogivas nucleares.

Jonh Kennedy, enquanto presidente dos EUA, não poderia deixar isso acontecer de forma alguma.

Os soviéticos apressaram-se em informar que os mísseis funcionariam apenas como defesa, caso sofressem um ataque, mas todo mundo sabia que, na prática, não era bem assim que a coisa funcionava. Pela distância, a URSS poderia facilmente coordenar um ataque nuclear que destruiria dezenas de cidades norte-americanas — assim como os EUA, a partir dos mísseis em solo turco, tinham condições suficientes de destruir diversas cidades soviéticas.

Kruschev chegou até a mandar uma carta a Kennedy, em que ele garantia que os navios soviéticos que estavam a caminho de Cuba não levariam qualquer armamento nuclear caso os EUA garantissem que jamais iriam atacar os cubanos outra vez.

A população ficou alarmada e os já neuróticos norte-americanos ficaram apavorados, construindo abrigos nucleares nos quintais de suas casas, estocando água e mantimentos com a intenção de tentar sobreviver ao máximo com suas famílias no caso de uma guerra nuclear.

Apesar de todos terem a certeza de que uma guerra deste porte não destruiria apenas os dois países como também grande parte da vida na Terra — e, portanto, era difícil de conceber um evento desta magnitude sem que antes os dois lados gastassem todos os argumentos diplomáticos e políticos possíveis e impossíveis —, ninguém queria esperar para ver se realmente um dos lados teria coragem de apertar o botão do fim-do-mundo.

Kennedy e Kruschev iniciaram uma série de longas e tensas conversas, com o intuito de resolver a situação. Toda a discussão demorou 13 dias, de 17 a 29 de outubro, e teve momentos de real possibilidade do início de uma guerra. Kennedy chegou a afirmar que não hesitaria em usar os mísseis norte-americanos em retaliação, caso os silos em solo cubano não fossem desativados e os mísseis levados de volta à URSS.

No fim, Kruschev costurou um acordo que previa a retirada dos mísseis norte-americanos da Turquia, e ordenou que as instalações em solo cubano fossem desativadas.

As consequências da Crise dos Mísseis

A Guerra Fria ficou caracterizada por confrontos indiretos das duas superpotências em teatros de guerras em outros países. Assim foi no Vietnã e no Afeganistão, só para citar dois exemplos.

Mas a Crise dos Mísseis trouxe os dois governos às negociações diretas, o que causou reais atritos diplomáticos. Uma coisa era você apoiar revolucionários ou reacionários “locais” contra o inimigo, oferecendo armas e até mesmo suporte e apoio militar, outra coisa era negociar diretamente com o inimigo, prevendo ou prevenindo uma guerra nuclear.

Com isso, o fim das negociações trouxe aos dois governos — e a seus países “aliados” — uma certa luz quanto ao início de uma guerra que tinha tudo para acabar com o planeta. Tanto norte-americanos quanto soviéticos, juntamente com a Inglaterra, assinaram em 1963 um tratado que proibiam os testes com armas nucleares. Mesmo assim a China iniciou seus testes em 1964, já que eles não tinham nada a ver com o tratado dos três países.

Em 1967 foi assinado o TNP — Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares — entre 58 países, que hoje já conta com a adesão de 189 nações, inclusive o Brasil, e que previa o fim da produção de armamento nuclear pelos países detentores da tecnologia e o fim da distribuição e ajuda aos países não-detentores de tecnologia nuclear para produção de armas, além de regulamentar o desenvolvimento de tecnologia nuclear para a produção de energia elétrica e outros fins pacíficos.

Este tratado entrou em vigor em 1970, mas China e França, que já tinham tecnologia nuclear só foram aceitar o tratado em 1992.

É óbvio que os EUA não acabaram com todas suas ogivas, e provavelmente todos os países que tem armas nucleares não as desativaram por completo. Mas o perigo de uma guerra nuclear é bem menor do que naqueles 13 dias de 1962. Ele ainda existe, e hoje o maior medo dos EUA é que uma destas ogivas caiam nas mãos de algum grupo terrorista.

É esperar — e torcer — para que nada dê errado enquanto ainda existir qualquer ogiva nuclear operacional no mundo…

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