A apavorante Medicina na Idade Média

Quadro “O Triunfo da Morte”, de Pieter Bruegel, foi pintado em uma época que a Peste Negra ainda assombrava a Europa Medieval.

Muitas pessoas nutrem verdadeira aversão pelo consultório médico ou o hospital. Sejamos sinceros, se existe um lugar em que ninguém quer ficar — exceto os profissionais que ali trabalham — , este lugar é o hospital, pois só fica por lá quem não está bem de saúde. Alguns tem aversão aos aparelhos que realizam exames. Outros, ao ambiente hospitalar e até mesmo aos médicos e enfermeiros.



O que deveria ser encarado como uma coisa comum por todos nós — pois desde que nascemos começamos a envelhecer e estamos fadados a ter problemas de saúde — acaba virando um martírio para muitas pessoas, mesmo com milhares de avanços galopantes da medicina, o que torna uma operação de catarata ou uma endoscopia algo até certo ponto corriqueiro e indolor nos dias de hoje. O nome disto é nosocomefobia (medo de hospital), ou iatrofobia (medo de ir ao médico).

Agora imaginem como eram os procedimentos médicos na Idade Média, quando existia pouquíssimo conhecimento do corpo humano, o achismo imperava entre os médicos da época, praticamente não existia anestesia e a higiene muitas vezes passava longe do procedimento cirúrgico…

O jeito era literalmente rezar para não depender de médico

Aproveitando o gancho de que a Igreja Católica dominou toda a Idade Média europeia, a melhor coisa que o sujeito poderia fazer era literalmente rezar para não depender de um procedimento cirúrgico para continuar vivo ou corrigir um problema de saúde. Como as doenças muitas vezes eram consideradas castigos divinos, além de doente a pessoa podia ser considerada pecadora e a doença, a justa penitência pelo pecado.

É bom citar que todo o trabalho de Hipócrates, lá na Grécia Antiga, de que as enfermidades tinham causas naturais, ligadas ao modo de vida da pessoa, à alimentação, ao meio ambiente que esta pessoa vivia, foi por água abaixo na Europa medieval com a supremacia da Teologia sobre as outras correntes de pensamento.

Sobrava ao enfermo depender do trabalho de médicos que, na época, não tinham o mínimo de condições de praticar esta medicina da forma mais indolor possível.

Quando falamos de batalhas medievais, lembramos de soldados e cavaleiros feridos após as batalhas. Para vocês terem uma ideia, um ferimento de flecha era duplamente doloroso de tratar, pois primeiro era preciso tirar a flecha do indivíduo, o que invariavelmente abria ainda mais o ferimento. Depois, para estancar o sangramento, era comum queimar o local com um ferro em brasa, cauterizando assim o buraco aberto com a flecha e evitando infecções. Um corte de espada, dependendo da região do corpo onde ocorreu, era fatal. Quando era preciso amputar membros, a pessoa tinha que torcer muito para não pegar uma infecção no local da amputação e morrer desta infecção.

Mas, como já citamos, a pior parte era o tratamento das doenças. Ali eram feitos os maiores malabarismos para salvar uma vida ou corrigir um problema de saúde.

Cirurgias e curas mirabolantes

Lepra, peste, dor-de-dente ou catarata: quase todas as doenças ou problemas de saúde eram considerados penitências, castigos divinos. Mas isto não quer dizer que as pessoas tentavam a cura só com orações. Muitas vezes alguém sabia um determinado procedimento que ajudaria a curar determinada doença e aplicava este procedimento no paciente.

Nos casos graves e incuráveis, como a lepra, por exemplo, o doente era considerado morto ANTES de falecer, pois nada mais podia ser feito.

Antes do doente ir para um leprosário ou ser largado para morrer sozinho à beira de uma estrada, era costume do povo rezar uma missa de corpo presente para o leproso. Quando a Europa sofreu o grande surto de peste, lá pelo século XIV, praticamente metade da população no continente morreu, pois não havia tratamento para a doença, já que a cura dependia de antibióticos, inventados apenas no século XX.

Muitos médicos da época acreditavam que certas doenças eram causadas pelo acúmulo de líquidos no corpo, o que levava às sangrias, quando o paciente tinha uma veia ou artéria cortada para que seu sangue escorresse por um tempo. Ou então os médicos colocavam sanguessugas próximas do local tratado. As doenças venéreas eram muito comuns na época, principalmente a sífilis. Para aliviar a dor do paciente ao urinar, enfiava-se um tubo de metal na uretra do sujeito para facilitar a saída da urina (sim, doeu aqui!).



Mas a pior condição era a da mulher grávida. Como não havia qualquer conhecimento sobre os procedimentos de cesariana, o parto normal era a única forma de colocar uma criança no mundo. E como a dor do parto é algo realmente forte e não havia pré-natal para saber se a criança tinha condições de nascer sem causar problemas ao sair, era comum a morte da mãe após o nascimento da criança, isso quando não morriam os dois, mãe e criança, por complicações, infecções etc…

Sobrava até para as parteiras que tentavam algum artifício para diminuir as dores da mãe. As que tentavam algo poderiam ser consideradas bruxas e o destino, muitas vezes, era a fogueira da Inquisição. E isto também acontecia com as pessoas que tentavam desenvolver remédios para curar doenças, pois a Igreja considerava a manipulação de substâncias uma feitiçaria.

Como a anestesia na época era perigosa de administrar, dificilmente alguém operava um paciente, a não ser que a sua vida estivesse em risco. Uma das substâncias usadas como anestesia na época era o dwale, uma mistura de suco de cicuta, suco de alho, ópio, vinagre e vinho, que era dado ao paciente antes de um procedimento cirúrgico, mas poderia matá-lo se não fosse ministrado na dose certa — só a cicuta é tão forte em relaxar uma pessoa que dependendo da dose o indivíduo para de respirar e morre.

Curando o pior dos males: a ignorância

As Escolas de Medicina na Europa só foram surgir lá pelo final da Idade Média.

Mas na ampla região ocupada pelos muçulmanos — que incluía a Península Ibérica — a situação era bem diferente.

Avicena, importante pensador que viveu de 980 a 1037, escreveu o Al-Qanun fi al-Tibb, ou Cânone da Medicina, uma obra que até o século XVII serviu como texto básico das escolas de medicina. Com acesso aos textos gregos e de outros povos sobre o tema, não foi tão difícil para os muçulmanos desenvolver uma medicina mais confiável.

Coincidentemente, na Europa Medieval o conhecimento dos gregos e romanos sobre medicina ficou guardado e era preservado dentro dos mosteiros, já que os monges da época tinham a liberdade de ler os livros, até mesmo para separar as práticas consideradas “hereges” e “pagãs” das que salvariam vidas sem apelar para a “bruxaria”.

Muitas das vezes eram os próprios monges ou padres que cuidavam dos enfermos, mas no ano de 1215 o Papa Inocêncio III, procurando combater práticas consideradas hereges, ordenou que os membros da Igreja não fizessem mais trabalhos cirúrgicos. A tarefa então acabou sobrando para fazendeiros que tinham experiência tratando animais.

Os médicos sofriam com a falta de informações sobre o próprio corpo humano, já que dissecar cadáveres também não era considerada uma prática muito cristã. Como os católicos estendiam a sacralidade do corpo de Jesus aos demais corpos, mesmo morto o corpo não podia ser dissecado e estudado.

O quadro começou a mudar lá pelos séculos XV e XVI, quando os europeus sofreram bastante com a peste e tiveram que se adequar a certos procedimentos higiênicos, procurando manter o mais limpo possível as casas e depósitos de alimentos — o que mantinha longe os ratos, principais vetores da doença.

Aumentando a higiene, inclusive a pessoal, diminui-se a quantidade de doenças. Outro fator importante foi o Renascimento Urbano e Comercial europeu, que jogou luzes em questões pouco exploradas e discutidas devido à “cegueira religiosa” da Idade Média. Outras doenças vieram de encontro ao acúmulo de pessoas nas cidades, mas já não era uma “heresia” buscar a cura com todos os métodos e informações possíveis.

Os avanços da medicina no último século são imensos, e é realmente assustador saber como eram as práticas de nossos antepassados. Se você é uma daquelas pessoas que eu citei no início, que tem medo de ir ao médico, releia este texto antes do seu próximo exame. Quem sabe você não muda de opinião?

Fontes:

– “Corpo & alma, vida & morte na medicina ibérica medieval: o Regimento proveitoso contra a pestilência ”, texto de Jorge Prata de Sousa e Ricardo da Costa. Algumas imagens eu retirei desta página.
– “Dez agonizantes tratamentos da Idade Média ”, texto do blog Hiperscience.
Todos os links foram verificados em 21/11/2019.

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